Havemos de ultrapassar isto, Mestre, havemos de vencer! – assim rezava eu ao acordar. “Isto” são as gigantescas ondas de dúvida que me querem esmagar agora de novo ao rever as primeiras páginas destes Diálogos. Parecem-me banais, ridículas. Envergonho-me delas. Como pude eu reduzir Deus até àquele ponto? Que dimensão divina podem ter aquelas páginas que eu atribuo, inteirinhas, ao Espírito Santo, o mesmo Espírito que sustenta e amplia os mundos?
Mas era assim que eu rezava ao acordar, eu rezava no plural: Havemos de ultrapassar, de vencer… Não consigo já evitar que a minha Fé me traga Jesus para junto de mim, exactamente para a situação em que me encontro. De tal maneira que eu ia mais longe e a minha oração aos ouvidos de muitos tornava-se sacrílega: Jesus, vem ser as minhas dúvidas! Vem duvidar comigo! Não tenho, de facto, mais ninguém para arrastar comigo este peso, senão só o meu Companheiro deste infindável Deserto. Se não for Ele a amparar-me, eu paro de escrever, eu paro de viver, eu morro aqui. Não tenho nenhum interesse já por aquilo que fui deixando. Não vejo ainda nenhum Sinal da Terra que procuro. Ninguém veio comigo, assim de carne e osso como eu. Só este Amigo me acompanhou sempre, mas nunca Se quis materializar diante dos meus olhos. Não é verdade! – responde-me Ele, docemente, tão dentro de mim, tão próximo do meu coração, que os dois corações parecem fundir-se num só! E eu tenho que Lhe dar razão, a esta perfeitamente indescritível Presença em mim, junto de mim, ao meu lado, à minha frente, sempre no sítio certo onde é preciso estar para sentir comigo, para me levantar quando desfaleço, para me incitar a prosseguir e quase O vejo e ouço: Anda! Não tenhas medo! Eu sei o caminho: é por aqui. Tu vais conseguir! Assim tão próximo Ele Se me fez sempre, que é quase uma ingratidão dizer que Ele não é de carne e osso como eu. Tão como eu, tão um só coração comigo, que não me quer ouvir chamar ingratidão a esta minha incapacidade de O ver! Não sei explicar: é como se esta incapacidade fosse d’Ele, também verdadeiramente d’Ele! Ele faz-Se tudo em mim. Até a minha incapacidade! Meus senhores doutores, não sei como vos hei-de explicar melhor, não sei como me hei-de desenvencilhar perante vós daquela minha oração sacrílega, mas de que Ele gostou muito tenho a certeza de que gostou, este meu Companheiro, o mesmo Jesus que vós examinais de todos os lados, em livros, em conferências, em debates. Eu peço-Lhe para Ele ser as minhas dúvidas, sim, para Ele duvidar comigo! Alguma vez vos apareceu diante dos olhos uma oração destas? Pois eu sei que Ele ficou feliz quando assim me exprimi diante d’Ele e logo executou o que Lhe pedi: carregou comigo, exactamente ao meu nível, todo aquele peso, passou-o mesmo mais para as costas d’Ele, como alguém apaixonado que só não tira o peso todo do outro para ele se não sentir incapaz. E como senti eu esta atitude do meu Companheiro? Em forma de prazer físico. Tão longo, tão intenso, que quase me custava suportá-lo!
São 6:30.
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