Temos a subtil mas progressiva sensação de que a impressionante
cavalgada do nosso êxito termine num Estoiro monumental. É desta teimosa
sensação que brota a oração que se segue.
– Pai bom e justo, abrevia os dias da Grande
Tribulação que vai cair sobre nós. Somos tão frágeis, Pai. O que nos vai
acontecer nada é, comparado com as montanhas dos crimes acumulados, eu sei,
Pai, mas olha para a nossa fragilidade e tem pena de nós. Somos tão maus
filhos, somos, Tu tens razão, nós fugimos-Te de casa, nós esquecemo-nos de Ti,
nós cuspimos na cara daqueles por quem nos mandaste avisar da Tua Dor, nós
achincalhámos agora até o Teu próprio Filho com anedotas obscenas, nós
legalizámos o assassínio de filhos Teus antes mesmo de nascerem, nós metemos no
coração das criancinhas a violência, a crueldade e a morte como quem lhes dá
pão, nós… nós, Pai, perdoa, somos isto, viemos ter aqui. Nós fizemos ainda
mais: nós arrombámos as nossas próprias defesas, na nossa louca sofreguidão, e
agora estamos expostos a todas as doenças, que procuramos afastar com novos
pecados, sim, nós viemos ter aqui, Pai, nós descemos o mais baixo que se possa
imaginar. Mas nós fizemos mais, Paizinho, nós fomos mais longe: os próprios
amigos do Teu Filho abandonaram a Vinha que Ele viera plantar e regar com o Seu
Sangue porque a este ponto a amou. Mas eles foram-se embora, deixaram mirrar as
videiras, fizeram dela cemitério, sepultando sempre mais videiras sob o mármore
pálido das campas, dos jazigos, dos mausoléus e andam passeando-se lá fora, no
território do Teu Inimigo, bem gordos de privilégios, de ciência, de prestígio…
e tudo isto, Pai, servindo-se do Nome do Teu Filho! Que nos arrasasses as
cidades todas, que estilhaçasses todos os mármores da nossa glória, ficaria
muito aquém da Justiça a Tua Cólera! Mas repara, Pai: fizemos isto tudo porque,
exactamente, somos muito frágeis. Não porque nos tivesses criado frágeis, Tu
deste-nos o Teu próprio Espírito como coração. Mas é que logo ao nascer foi
isto que vimos e nisto crescemos, alargou-se e subiu desmesuradamente a nossa
Cidade e tapou-nos o sol e tudo aquilo que era Obra Tua. Nascemos e crescemos
na poeira, Paizinho, e ficámos assim tísicos, raquíticos. Não nos dês um
castigo que não possamos suportar, não nos faças doer a ponto de desesperarmos.
Lembra-Te da Tua Misericórdia, lembra-Te de que És o Amor e vem como Remédio,
que a nossa dor já é insuportável e cura-nos com jeitinho. Se tiveres que nos
fazer doer, prontos, seja, mas cura-nos! Não nos deixes morrer… Olha: até os
mortos o Teu Filho pode ressuscitar, foi ele que disse, e eu acredito em tudo o
que Ele disse, há ainda apesar de tudo muita gente que acredita em tudo o que
Ele disse. Em atenção a estes, a estes talvez só dez justos, salva-nos, Pai!