Ao vir aqui para o café trazendo, como é
costume, alguns volumes destes Escritos, a Bíblia e a Vassula, ouvi: “Leva o
volume segundo”. Sabia que se tratava do segundo volume de “A Verdadeira Vida
em Deus”. Então eu, que estava para trazer o primeiro, troquei-o pelo segundo
volume. Passados alguns momentos, ouvi assim: “Página quarenta e nove”. Não
esperei para chegar ao café e li exactamente no início daquela página: “As
horas fogem, Jesus guia-te. Não temas, Meu querido filho, tem a Minha Paz.
Jesus está contigo; Jesus é o teu guia. Ama-O como O estás a amar, Meu Salomão.
Tu estás a desagravá-Lo generosamente. Sê o bálsamo de Jesus, a Sua delícia.
Eu, a tua Santa Mãe, ajudar-te-ei. Não temas e avança, que estás no bom
caminho. Amo-te”.
Estou, pois, “no bom caminho” – disse-mo a
minha Mãe. Mas esta palavra é oca, como todas as palavras o são, em si. As da
Escritura também são ocas em si: são só rabiscos de tinta. Por isso eu posso
usá-las e manipulá-las segundo a minha conveniência. E assim tem acontecido, de
facto, muitas vezes, ao longo da História. É assim possível justificar crimes
com palavras da Escritura. A Igreja, com este corpo de carne de que também eu
sou feito, a Igreja, precisamente a institucional, a oficial, sempre justificou
abundantemente com a Escritura tudo o que fez. E fez asneiras monstras, a minha
Igreja, carne da minha carne. E foi justamente como Instituição que a Igreja
fez asneiras. A Instituição é a face
carnal da Igreja, a que peca[1].
A que se agarra às palavras da Escritura e as manipula em seu proveito e
segundo a sua conveniência – um proveito e uma conveniência retintamente
mundanos. A Igreja tem o corpo de cada um de nós: chagado, disforme, pecador. A
Igreja é um corpo que, como o meu, precisa de se converter. Precisa a Igreja,
como eu, de reconhecer e confessar os seus pecados.
Mas a Igreja, tornada Instituição, tem
atravessado os séculos de cerviz levantada, como fez Eva e Adão, no Paraíso.
Como fez Caim, muitas vezes, matando Abel. Como fez o Sinédrio, matando Jesus.
Quantas vezes! Ah, Igreja, meu corpo, onde escondeste a Cruz do teu Senhor?
Porque segues o caminho contrário ao do teu Mestre? Porque esvaziaste da
Palavra as palavras todas da Escritura? Porque sepultaste a Tradição debaixo
das tuas tradições?
Tem seguido a Igreja a rota que o Pai lhe
traçou. Mas em que estado! Com que Dor vive neste corpo o Espírito, rodeado de
células mortas! Precisa de se converter a Igreja, como preciso de me converter
eu. E converter-se, para a Igreja, significa desinstitucionalizar-se, porque
todo o seu pecado consiste em se ter feito Poder à imagem dos poderes deste
mundo.
[1] Ao passar agora este texto a
computador, dei de repente conta de que esta frase me ficou gravada em itálico,
sem que eu expressamente o quisesse, até porque ela não está realçada no
manuscrito original. O facto até pode ser explicável pela própria mecânica do
computador: eu carreguei em teclas indevidas, sem querer. A verdade é que isto
nunca antes acontecera e por isso me surpreendeu. Mas uma circunstância
especial me levou ao auge a surpresa: ao ler no manuscrito esta frase, eu
pensara: Esta é forte demais! Quando dei por ela escrita em itálico, não tive
dúvidas de que o próprio Jesus lhe quis dar um realce todo especial.
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