– Desejo que sejas tu próprio a revelar-te. Revela-te. O Meu Desejo, neste momento, o meu grande Desejo, é conhecer-te. Sê surpresa para Mim!
– Mas acontece que eu estou na mesmíssima situação: estou à espera de que me surpreendas com a revelação da Tua Alma!…
– Eu não estou já todo revelado na Escritura, na Tradição…?
– Eu já li a Escritura toda e conheço a Tradição e desde que Te encontrei, ou antes, desde que Tu vieste ter comigo e me trouxeste para este Deserto, não tens parado de me surpreender. Tu estás sendo uma Novidade para mim.
– Nada disto que te revelei de Mim o tinhas lido na Escritura ou na Tradição?
– Estava já certamente tudo lá, porque Tu assim o dizes e eu creio em Ti, mas, estando lá, eu não o tinha visto.
– Que te fez vê-lo agora então?
– O Teu Ciúme, que me trouxe para este Deserto.
– Só agora te sentes no Deserto?
– Só agora me amarraste completamente o coração, de sorte que todos os outros apegos se me desfizeram. Mas vejo também agora só que desde o meu nascimento o Teu Ciúme me andou cercando e vigiando, por certo numa grande tensão entre esta vigilância e o receio de me violentares e ferires assim a minha Liberdade.
– Porque te trouxe então agora sozinho Comigo para este Deserto? Perdi o medo de te ferir na tua Liberdade?
– Sinto que o receio de tocares sequer na minha Liberdade Te acompanha sempre. Mas levaste cinquenta e três anos a assegurar-Te de que a minha Liberdade eras Tu, que era a Ti apenas que eu procurava. Por isso me sujeitaste a duríssimas provas, meu terrível Ciumento!
– Não te sentes violentado, agora?
– Sinto. Às vezes muito. Esta noite, por exemplo, o levantar-me àquela hora custou-me muito e quando mais tarde quis que viesses na habitual onda de sensualidade a que me habituaste, Tu não vieste.
– E não estou ferindo assim a tua Liberdade?
– Não! De forma nenhuma! Por trás destas violências está sempre a minha Fé em que me amas loucamente e por esta minha Fé eu não suportaria que deixasses de fazer a Tua exacta Vontade para atenderes aos meus resmungos, aos meus queixumes, aos meus protestos.
– A tua Fé então…
– É um amor louco também, parece. Acho que também é ciúme.
– Como?
– É amor, é ciúme a minha Fé.
– Porque dizes isso?
– Porque começo a aborrecer tudo aquilo que me afasta de Ti.
– Mas assim vamos morrer asfixiados um no outro, não vamos?
– Provocador! Tu bem sabes que não.
– Não? Não é isso que tu costumas dizer do ciúme entre vós?
– É verdade: o nosso habitual ciúme esmaga o outro, reduzindo-o à nossa carência afectiva.
– O nosso não? O Meu Ciúme não te reduz à Minha carência de afecto?
– Não! O Teu Ciúme é afecto jorrando sobre mim como um rio em que eu não tivesse tempo nem capacidade para pescar todos os tesouros que nele vêm. O Teu Ciúme vê-se que vai desaguar ao Grande Mar, onde com todos os tesouros de todos os outros rios me encontrarei. O Teu Ciúme não esmaga nem asfixia: Liberta também em mim uma fonte que estava entulhada, purifica um lago que estava estagnado porque nenhuma fonte o alimentava e faz avançar uma Água nova, fresca, límpida, transformando-me também todo em rio onde deslizam os mais insuspeitados tesouros.
– Que vão ter ao Grande Mar?
– Sim. Numa ânsia enorme de lá ver desaguar todos os outros rios e de me maravilhar com os tesouros que transportam nas suas águas.
– Em que consiste então o Meu Ciúme, Salomão?
– Numa sôfrega ânsia de libertares em mim a Tua Fonte.
– E não poderia Eu libertar todas as Minhas Fontes com uma só Palavra?
– Poderias, se todas as Tuas Fontes Ta ouvissem e Ta recebessem. Mas maior que o Teu Ciúme é a Tua Fidelidade ao Livre Arbítrio que um dia nos deste. Por isso esperas junto de cada Fonte, numa ânsia louca de que ela Te deixe desentulhá-la.
– Não vos posso libertar então em conjunto?
– Não. Nunca. Cada um é único para Ti: único no tempo da sua libertação e único nos tesouros que mantém escondidos e que Tu próprio não conheces.
– O Meu Regresso não é uma libertação colectiva?
– Não. É só uma manifestação louca do Teu Ciúme por cada um de nós. Ninguém será libertado se Te não receber. O Teu Regresso é só uma Esperança louca de que todos Te recebam. E mesmo que todos ao mesmo tempo Te recebessem, Tu virias restaurar cada Fonte com um incontido Ciúme de todas as outras. Como se as outras Te pudessem roubar o Teu Tesouro de cada uma!
– E como posso unir-vos todos, assim?
– No Grande Mar e na ânsia de chegar: O Grande Mar és Tu!