– Que fizeste até agora?
– Dormitei, sobretudo divaguei por assuntos vários…
– Refere um desses assuntos.
– O fenómeno da rotação da terra e consequentemente o facto de as pessoas terem festejado a passagem do ano a horas diferentes…
– E no entanto todos à meia noite?
– Isso. Não sei porquê, intrigou-me este facto.
– E achas que essa curiosidade não veio de Mim e que o tempo em que assim estiveste matutando não o passaste Comigo?
– Eu pensei que não, mas agora que perguntas…
– Refere outro assunto em que tenhas matutado.
– Estive a pensar como haveria de resolver o problema mecânico para recolher o biombo em construção que vai tapar a boca do palco.
– E isso é problema teu?
– É. Se eu não pensar nele, o serralheiro, a quem não interessam minimamente os problemas cénicos, vai resolvê-lo mal e criar outros problemas.
– E pensas então que esse assunto Me não interessa a Mim, nem ao Reino dos Céus?
– Pensei. Mas agora que perguntas…
– Estás mudando de opinião?
– Passei a não ter opinião. Agora a minha preocupação é descobrir a Tua. Estou ansioso por saber o que vais Tu responder a isto. Em relação a tudo quanto há, a única coisa que me interessa é saber a Tua opinião.
– Já que partilhaste Comigo estes problemas, vamos então pensar neles em conjunto?
– Vamos, Mestre! Tu alinhas? Que bom!
– A que estiveste já comparando a meia noite da passagem do ano?
– A uma meta a que as pessoas sucessivamente vão chegando.
– No caso vulgar da chegada a uma meta, os sucessivos atletas festejam todos a chegada?
– Não: só o primeiro. Os outros, embora em graus diferentes conforme a distância do primeiro, ficam frustrados: o sonho de todos eles era serem o primeiro.
– No caso da passagem do ano chegam todos à meta?
– Chegam. Todos ao mesmo tempo.
– E festejam todos?
– Festejam. A festa é colectiva.
– Sabes qual é a diferença?
– É que no caso dos atletas, são eles que correm para a meta e tudo depende das suas forças; no caso da passagem do ano és Tu que fazes sucessivamente deslocar a meta até às pessoas: elas não têm mais que fazer, senão esperar por ela!
– E ficam tristes os que celebram a passagem do ano depois de outros a terem já celebrado?
– Não! Ninguém pensa nisso! Esse facto contribui, pelo contrário, para universalizar a festa: ela vai estendendo-se a todo o globo durante vinte e quatro horas, que todos prolongam pela noite dentro!
– Então que diferença há entre as Minhas metas e as vossas?
– As Tuas vêm ter connosco ao sítio onde estamos e não há primeiros, nem segundos, nem terceiros, nem últimos, nem desclassificados – as Tuas metas chegam a todos e a festa é colectiva; quanto às nossas, é o que se sabe: frustrações e ressentimentos roendo as almas, energias gastas sem frutos, lutas e divisões cavando mais funda solidão e dor entre os homens.
– Olha: o que estivemos a ver sobre a rotação da terra e a passagem do ano foi uma divagação inútil?
– Não! Quando tu tomas conta das coisas, elas viram todas remédio que nos cura a partir de dentro.
– Mas este assunto era um assunto teu, não era?
– Era. Mas resultaria infrutífero, se Tu não tivesses pegado nele.
– Não o rejeitei, então!?
– Viu-se que não: Tu sempre assumes o que nós levamos para o encontro Contigo.
– E a do biombo para o palco? Também se poderá desta tua preocupação tirar algum fruto?
– Pode, certamente. Só não sei ainda qual. Diz-me como posso tirar eu fruto desta minha preocupação.
– Não estás a ver já um primeiro fruto?
– Levou-me a questionar-Te sobre a bondade ou inutilidade daquelas coisas que faço na escola e em geral daquilo que nós construímos nesta nossa Cidade.
– Para já, que estás vendo no biombo?
– Que é mais um trambolho a dar-me que fazer.
– E também um motivo de glória para ti: vai ficar bonito e tem a tua marca.
– Agora é que Tu me encravaste, Mestre! Pois é. No caso da passagem do ano és Tu que nos trazes a meia-noite; neste caso, não vejo onde estejas Tu metido, para que a glória possa ser Tua: tudo o que fazemos com as nossas mãos destrói o que Tu fizeste.
– Mas olha: não disseste tu que Eu assumo tudo aquilo que trazeis para o encontro Comigo?
– Disse e sei por experiência que é verdade: Tu pegas em tudo o que nós Te levamos e se não for agradável para Ti, Tu dás-lhe a volta.
– Não dou, não! Com que direito faria Eu isso? Não estaria Eu a ofender gravemente quem assim Me trouxe uma coisa e Eu lha mudasse noutra?
– Ah, Mestre, espantoso Deus! Sempre esse Teu respeito pela nossa Liberdade!
– Eu nunca retiro aquilo que uma vez dou.
– Então sobre o biombo…
– Que pretendes fazer dele?
– Proteger o palco, para que ele possa ser um espaço permanente de exposições. O biombo é em acrílico, é transparente e…
– Dás-Me o biombo?
– É para já! Pega! É Teu!
– E deixas-Me fazer dele o que Eu quiser?
– Deixo. Se não Te servir para nada, não me importo que o desfaças.
São 9:01.
Eis, pois, a semente:
Jo 14, 9 |
“Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco e não Me conheces, Filipe? Quem Me vê, vê o Pai. Como é que tu dizes: Mostra-nos o Pai?”
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