Esta palavra é das presenças mais frequentes destes Diálogos. E há para
este facto uma explicação simples: é que todos nós vivemos no Deserto, o
verdadeiro, o da aridez, da secura, da esterilidade, da solidão - e também do Silêncio fecundo. Para
verificar que assim é, basta que se nos abram os olhos, coisa bem difícil,
conforme se tem visto.
6/7/96 – 4:34
É de novo aridez e indiferença dentro de
mim. Só tenho outra vez os mudos Sinais do meu Deus. Os mudos, apenas. Porque o
Prazer, que de tão vivo parecia ter voz, esse calou-se também. Dura muito pouco
tempo o Céu, aqui no Deserto. Como se, gozando-o, nos atrasássemos, retidos num
qualquer oásis. É forçoso voltar ao caminho, que o tempo urge e aquela montanha
além, depois da qual é a Terra Prometida, afinal não está tão perto como
parecia… Atenção que o deserto, por ser tudo tão igual, engana: tem miragens de
vez em quando, cria ilusões, às vezes… A Casa do Pai é mesmo muito longe,
porque muito longe a sedução da Cidade nos levou.
Por isso atenção todos vós que procurais o
Senhor: Ele está ao alcance da mão, sim, basta que uma pequena fibra do nosso
coração se mova para Ele, mas todo o Seu Dom, depois, é caminhar. Somos em
verdade “peregrinos e estrangeiros” neste mundo, porque a grande maravilha do
Dom da Conversão é esta: pouco a pouco, espantados, verificamos que os nossos
olhos estavam cobertos de escamas, porque as sentimos cair e aclarear-se-nos a
visão. Então, devagar, este mundo que julgávamos colorido e sólido, começa a
empalidecer e a desintegrar-se e em breve temos diante de nós a amarelidão
barrenta de um deserto infindável. Mas o nosso Deus fez-Se já nessa altura
Companheiro caminhando ao nosso lado. E a primeira coisa que Lhe descobrimos é
uma estranha e gostosa tranquilidade: Ele parece conhecer muito bem esta
imensidão desértica e nasce em nós um sentimento novo que nunca julgávamos
pudesse existir em relação a Deus: a Ternura. E quanto mais caminhamos, mais o
Coração deste nosso Companheiro se vai abrindo. Quando damos conta, Deus parece
todo reduzido a Coração e também nós nos parece termos vindo a perder a cabeça
e a sermos inteiramente comandados pelo coração. E assim, pela via do coração,
começando pela Ternura, tudo no nosso Companheiro se agiganta de forma
espectacular, até à dimensão de Deus que desistimos de entender e passamos
simplesmente a amar.
Por isso aceito o Deserto com a sua dor e o
seu silêncio, porque é nestas duas dimensões do Deserto que se reconstrói o
nosso ser divino.