Nada tenho dentro de mim, a não ser um
impulso para escrever. Nestes casos, já sei como faço: entrego ao meu Mestre o
que em cada momento me estiver dentro, mesmo que seja o completo vazio e
peço-Lhe para o assumir conversando comigo. E de tudo o Mestre faz porta, ou
janela para o Mistério de Deus. Ou caminho. Ou instrumento. Ou pura energia.
Avançar é que avança sempre, aproveitando aquilo que Lhe ofereço. Jesus é um
professor como nunca ninguém encontrou na vida: nunca Ele nos insere nada
dentro, como eu sinto fazer aos meus alunos, tantas vezes. Olhando agora para
trás, verifico que Ele sempre esperou que eu Lhe apresentasse o meu coração tal
qual ele está, em cada momento.
– Confirma, se achares bem, o que acabo de
escrever, Mestre…
– Então regista esse medo.
– Exactamente: estou com medo de me
desmentir, se este diálogo não confirmar o que Te pedi.
– E outro medo te mancha ainda a Paz, não
mancha?
– Isso mesmo: o medo de assim Te estar
ofendendo.
– Mais outro medo ainda, não?
– Sim: o de me repetir, o de me enredar nas
próprias palavras e não avançar.
– Agora, esse outro medo.
– Sim, Mestre: o de o cansaço me bloquear o
fluxo deste diálogo e de isso me esforçar a cabeça, que sinto massacrada nestes
últimos dias pelo trabalho na escola, na fixação de textos dramáticos, com os
alunos.
– Os textos, os alunos, são uma preocupação
tua, não são?
– São: tenho medo de que a sua incapacidade
os desmotive; eu lanço-lha em rosto, continuamente.
– Outro medo, portanto…
– Sim, outro medo. Que faço com estes medos
todos, Mestre?
– Faz o que acabas de dizer que sempre
fazes: dá-Mos.
– Eu pareço realmente um montão de medos,
Mestre!… Só agora reparo…
– E não provocam eles um enorme desgaste nas
tuas energias? Com uma carga de medos assim…
– É verdade, Mestre!… Então são os medos
aquilo que mais nos enreda e desgasta, no caminho da nossa libertação!?
– Vê: se não fossem os medos, o que te
impediria de andar?
– A própria incapacidade, a natural
deficiência em que nasci, talvez…
– Paraste. Porquê?
– Porque não sei dar sequência ao diálogo.
– E isso introduziu um novo medo em ti!?
– É verdade: acabo de ser apanhado a afirmar
que estes diálogos dependem do meu saber. E isto é um outro medo, a acrescentar
ao que já tinha: o de não arranjar uma sequência coerente que fizesse
desabrochar este diálogo para a Luz, para a Simplicidade. Ele parece-me tão
enrolado…
– Tenta dar então só mais a resposta àquela
questão: o que é que te impede de andar, para além dos medos?
– Já avancei as nossas deficiências
naturais…
– Tenta não ter medo agora: escreve a
formulação que te ocorreu.
– As nossas deficiências são todas medos
cristalizados. Todas elas são frutos do medo.
– Continua. Escreve a relação que estás
estabelecendo.
– A primeira consequência do pecado foi o
medo: Adão escondeu-se.
– E esse medo representa uma deficiência?
– Enorme: Adão acabava de perder as energias
da vida que o faziam avançar sempre, pela amplidão do Mistério do Paraíso. E
recuou, recolhendo-se a um esconderijo.
– Tenta precisar melhor: que faculdade lhe
ficou assim atrofiada?
– A inocência – a faculdade de confiar.
– A inocência é uma faculdade, uma força, um
poder?
– Era o maior poder do homem, no Paraíso.
– Porquê?
– Porque o inseria na Dimensão de Deus: ele
poderia assim realizar todos os seus desejos.
– Continua registando o que circula em ti…
Escreve essa ligação que estás estabelecendo.
– É ao nosso poder original que nos queres
reconduzir quando, no Teu Evangelho, insistes em que não é possível o regresso
ao Paraíso se não nos fizermos crianças.
– Uma criança não tem medos?
– É estranho: parece que toda a evolução da
criança em direcção à “plena cidadania” consiste em adquirir medos. Os medos
parecem tornar-se progressivamente as suas defesas e espertezas contra a
permanente ameaça da Cidade. Os equilíbrios desta medonha construção assentam
todos no medo.
– Vou tirar Eu agora uma conclusão: perder
os medos é desequilibrar a Cidade!?
– Ah, Mestre, dá-me a inocência do coração e
prepara-me para todas as consequências.