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- Alguma coisa te preocupa?
- Não sei se queres que fique assim.
- Desenhaste-a apenas como rascunho?
- Nem sei… Já a tinha imaginado há muito tempo…
- Quanto tempo?
- Talvez anos, não sei… E logo pensei que quando a desenhasse deveria ser definitiva, ficasse como ficasse.
- Porquê?
- Porque sempre me sucede assim também com as palavras que aqui caem: nunca mais as retiro.
- Mas ontem, quando começaste a fazer o desenho, consideraste-o um rascunho?
- Não sei… Fi-lo quase distraído…
- E porque o fizeste ontem?
- Não tenho nenhuma razão para isso. Deu-me só uma quente vontade de o fazer.
- Que quer dizer “quente”?
- Pareceu-me que, apesar de distraída, vinha mesmo do coração. Como os impulsos que me fazem escrever.
- E gostaste do que fizeste?
- Pareceu-me, no princípio, muito mal feito… Se calhar por isso é que pensei ser só um rascunho…
- Fizeste-o todo de uma só vez?
- As lágrimas fiz-lhes, no princípio, rapidamente, só o contorno; só um pouco depois é que as enchi.
- Para quê?
- Para ficarem mais carregadas, mais visíveis… Queria que ficassem muito realçadas.
- Inicialmente também no chão desenhaste só uma pequena mancha…
- Sim, era só uma lágrima no chão. Mas não me satisfazia: achei que deveria ser um lago de água e tentei desenhá-lo.
- Mas há mais um desenho…
- Sim… A seguir tentei enquadrar as palavras no desenho. Mas ficou-me um espaço vazio. Então pareceu-me que o olho, em cima, estava muito mal feito e desenhei ali outro. Saiu pior.
- E que aconteceu depois?
- Comecei a olhar para aquilo e pareceu-me começar tudo a adquirir significado… Até o segundo “olho”, no chão…
- E que significado te pareceu ter?
- O nosso olhar, no chão, procurando-Te… Um olhar desfigurado, frágil… Comecei a achar muito linda a fragilidade de todo o desenho… Depois a estrutura pareceu-me também uma taça…
- Que elementos teria o desenho quando pela primeira vez o imaginaste?
- Só um Triângulo, com um olho chorando, ligado à Terra…