– Para quem estás a falar?
– Para mim. Para o público. Para Ti. Nem sei. Só sei que é verdade: começo a escrever sempre com uma interrogação no coração: Será que Jesus quer que eu escreva?
– E começas a escrever porquê?
– Porque me deixo escrever.
– Explica.
– Há dentro de mim uma sensação, uma estranha confiança em que, a partir do momento em que eu comece a escrever, Tu não me deixarás dizer asneiras.
(Tremo. Algo em mim diz que isto pode ser uma grande Tentação...)
– Que Tentação é essa, assim escrita com maiúscula?
– Jesus, muito puxas Tu pela minha cabeça…
– Não fazes isso também com os teus alunos?
–Faço. Exijo-lhes atenção absoluta. Quando vejo algum distraído puxo-lhe pela atenção. Digo sempre que o que se está a dizer é muito importante. Até julguei que isto fosse errado.
– Importante é uma só coisa.
– Então na medida em que as minhas aulas se aproximam dessa Única Coisa Importante será cada vez mais legítimo puxar pela atenção...
– Forçar as pessoas é um pecado. Eu criei o Homem livre.
– Então deixo abandalhar o ambiente nas aulas?
– Tu sabes a resposta. Escreve-a.
– Estás a forçar-me, Mestre! Prontos, eu sei a resposta: nunca se força quando se ama. Forçar sem amar é reprimir. A solução é purificar as aulas.
–Como?
– Amando os alunos.
– E...
– Obedecendo à instituição.
– Explica isso, Salomão. Não está claro.
– Tu hoje estás numa de me massacrar! Estranho Amor o Teu. Querido Amor! Vamos lá: obedecer à Instituição, às Instituições humanas, é respeitar os homens concretos que comigo a elas estão sujeitos.
– Só estes?
– E também os que fabricam e alimentam as Instituições... Eh, pá! Que turbilhão de coisas me está no espírito!...
– Exprime uma de cada vez.
– Obedecer. Obedecer é importante. Por exemplo, nunca faltar às aulas, nunca faltar a qualquer emprego, ser pontual, cumprir o que os patrões mandam!
– Que escravidão!
– Estás-me a gozar, querido Prof.!
– Queria só que te mantivesses nesse assunto...
– É importante para Ti, não é?
– Para ti. Para vós. Eu dei o exemplo.
– Mas Tu desobedeceste permanentemente às Instituições!
– Recorda: durante trinta anos ninguém ouviu falar de Mim: fui um homem bem comportado.
– Excepto aquela da adolescência, quando fugiste sorrateiramente à família e foste para o templo. Pelo menos podias ter avisado...
–A Obra de Deus, quando irrompe naqueles que escolhe e a aceitam, é imparável.
– Arromba toda a Instituição!
– Arromba. A Ordem de Deus é TOTALMENTE NOVA!
–Assim mesmo, letra maiúscula e tudo?
– Assim mesmo.
– Mas isso parece contradizer literalmente tudo aquilo que disseste (hesitei: disseste ou eu disse?) antes.
– Não hesites: qualquer das formas estaria bem. Não há contradição em Deus! As contradições só existem na vossa linguagem, porque existem na vossa cabeça. Experimentai ver com o Coração e vereis como as contradições se esfumam e a Luz tudo inunda, tudo esclarece, tudo harmoniza.
– Mas, Senhor...!
– Escreve isso que sentiste.
– Quando digo Senhor sinto-me muito feliz! Apetece-me escrever do tamanho desta folha.
– Porque não escreves?
-SENHOR– Exprime o que se passa aí dentro.
– Aí?
–Aqui dentro. Tens razão. Gostei que me chamasses a atenção.
– A Ti, SENHOR?
– Gosto muito de ser chamado à atenção pelas minhas criaturas!
– Ah! Queres então que diga o que se passou aqui quando escrevi aquele SENHOR tão grande?
– Quero.
– Que desperdicei meia folha de papel.
(Riso muito espontâneo de Jesus)
– E que mais?
– Que quase não ia cabendo na página à direita...
– (ainda rindo) E que mais?
– Que Tu rebentas com a lógica toda! Com a estética toda! Com toda a minha mesquinhez!
– Estás chateado com isso?
– Ei! Chateado é calão! (Riso de Jesus e acho que de todo o Céu. Acho.) Não, não estou nada chateado. O que mais quero é rebentar com isto... com este espartilho em que vivemos enfiados, com estas “boas maneiras” que nos ensinam a ter Contigo! É mesmo assim, Jesus! Arrebenta! Arrebenta! Arrebenta com tudo!
– Vá, diz isso que agora te desceu ao pensamento.
– Desceu?
– Do Céu.
– E deixo assim várias coisas que estão para trás? Assim incompletas?
– “Se dizes tudo, fazes das pessoas parvas”. Não foi assim que disseste aos teus alunos na aula passada?
– Foi. E pronto! Lá estás Tu a interromper! (O Céu ri) Assim nunca mais explico...
– Muito gostas tu de explicar!
– E não se deve?
– Eu expliquei alguma coisa antes de morrer?
– Explicaste. Pelo menos uma parábola.
– Uma! E quantas deixei por explicar? Quero os meus filhos inteligentes!
– Ah! Mas aquilo do... do quê? Vês? No meio destas descobertas todas em avalanche até já me esqueci do que tinha para esclarecer! Tu mandaste!
– Eu nunca mando.
– Tu pediste.
– Eu faço tudo amando.
– E prontos! Explico ou não explico?
– Explicar o que é?
– Ex-plicare: tirar para fora desemaranhando, desenredando. Como é? São quase 11 horas! Falto à Missa?
– Que achas?
– Que não! A Missa é Eucaristia! A Missa é onde Tu Te dás a comer, onde a Tua Humanidade pode ser mastigada, digerida, assimilada por nós! Fantástico! Não disse heresia nenhuma?
– Vai para a Missa.
– Assim sem ter acabado a folha?
– Mesquinho! Lógico! Banal!
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