− Estás triste Comigo por causa disto que te fiz?
− Apetece-me chorar. Passo o dia a fazer coisas a que não tenho preso já o coração, tenho um dedo muito inchado de quase o ter esmagado com uma martelada ao arranjar um cenário para logo à noite e agora isto… Não é tanto por ter acordado a esta hora; é mais o ter-me aparecido o Sinal do Demónio… Sinto-me tão impotente, tão indefeso… Mas triste Contigo não estou, Mestre. Fico é às vezes perplexo com o que deixas acontecer-me, sem entender os Teus caminhos…
− Excluis a hipótese de o Sinal da Besta ali estar para te dizer que estás a resvalar para o seu reino?
− Gostava de Te dizer que sim, que excluo totalmente tal hipótese, mas a verdade é que aquele Sinal me abalou ao menos por momentos.
− Dizes que ficas sempre tenso quando ele te aparece. Consideras isso um mal?
− Tudo o que me dói é um mal em si. Mas desde que Tu, pelo facto de nos assumires esta carne, encheste a Tua vida de dor sempre crescendo até ao Teu grito na Cruz dizendo que estavas ali abandonado pelo Teu próprio Pai − desde aí já não sei se as nossas dores não poderão ser o maior bem desta vida!…
− Qualquer dor?
− Não: só aquelas que doerem na carne daqueles que Te conhecem e Te amam. As dores desses Teus amigos vão curar a terra de todo o sofrimento!
− Se a dor que estás manifestando esta noite curar muitas chagas dos teus irmãos é uma dor boa?
− Então não é? Se ela for um remédio assim, só pode ser boa.
− Se for então só bem a tua dor de que estás falando esta noite, que sentido pode ter o Sinal da Besta?
− Tudo menos que lhe pertenço, que estou a servir o seu reino.
− Que pode significar então, por exemplo?
− Que ela está assanhada comigo justamente por eu lhe estar assim a destruir o reino da dor, como se assanhou Contigo até ao Teu Sacrifício máximo.
− E então? Tens alguma dúvida agora? Pode haver alguma perversão em ti?
− Não sei ainda, Mestre… Continuo a ver-me tão rude…passo horas sem me lembrar de Ti…
− Mesmo que houvesse nisso alguma maldade, a violência de te levantares da cama a esta hora para escreveres este diálogo Comigo, a própria tensão provocada pelo aparecimento do Sinal da Besta não seria uma dor capaz de lavar a tua possível maldade?
− Só Te posso responder que sim, Mestre. Se esta dor a estou partilhando Contigo, só pode ela transformar-se em remédio que me cure obviamente em primeiro lugar a mim próprio.
− Diz então agora para que está ali o Sinal da Besta.
− Contra todas as evidências, ele continua recriminando-me de qualquer possível falta oculta. Que é isto hoje, meu Amigo?
− Há algum território da Maldade para que aponte?
− Não; está-me dizendo, genericamente, que sou um falso profeta.
− E que resposta a essa sensação se desenha dentro de ti?
− Dentro de mim, neste momento, só há uma ânsia de Te amar muito, de Te ser fiel até à perfeição, como Tu tens sido fiel para comigo.
− E agora? Descreve a tua situação interior.
− Agora desapareceu já aquela ânsia… Agora outra vez a total frieza se instalou dentro de mim.
− Continua narrando o que se passa no teu interior.
− A mais completa impotência até para continuar este diálogo… divago… Apetece-me só ir para a cama… Digo para mim mesmo que toda esta situação interior se deve justamente apenas ao facto de eu estar a escrever a esta hora, nestas condições… Que não há aqui, portanto, Diabo nenhum…eu é que sou, afinal, o diabo de mim mesmo…
− Que sentes de mim, agora?
− Que estás como eu, assim prostrado e impotente e que como eu também o que mais desejarias era que pudéssemos os dois viver a nossa amizade sem este bloqueio, sem esta luta, em plena harmonia.
− Sentes ao menos que foi bom teres estado este tempo Comigo?
− Isso sinto. Nesta minha frieza, consigo ainda sentir que ao menos isto permanece certo e seguro: é bom estar Contigo, seja em que condições for.
− E de que estiveste Comigo não tens dúvidas?
− Isso não: foi para estar Contigo que me levantei e todo o esforço desta vigília foi para me não desprender de Ti.
− Fizeste tudo quanto pudeste e soubeste?
− Isso fiz. Não sei que mais poderia eu fazer para Te agradar.
− E julgas tu que Eu deixaria perder alguma gota do teu amor?
São 2:43.
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