Foi uma descoberta - melhor, muito melhor: uma revelação - que me deixou quieto de pasmo e fascinado com as perspectivas abertas a
partir daí. Ora ouça-se:
1/11/96 –
Todos os Santos – 1:24
Desde jovem que assinalo esta data e digo:
Eu quero ser santo. Repito-o hoje, com a mesma sinceridade de sempre: Eu quero
ser santo. Mas só agora sei o que é preciso fazer para o ser: nada. E foi esta
a radical descoberta desta última fase do meu processo de conversão. Dantes eu
fazia coisas, muitas coisas, para conseguir a santidade; hoje peço muito ao
Senhor que me dê a Graça de ficar quieto. O que é tremendamente difícil: a
Cidade convenceu-nos à nascença de que tudo quanto quisermos que se faça terá
que ser obra das nossas mãos. E nós interiorizámos este primeiro e mais
importante mandamento da Cidade de tal maneira, que é ele o responsável por
toda a nossa perversão. De facto o homem, ao convencer-se de que só com as suas
próprias forças alcançará o que deseja e ao agir em conformidade com esta
postura interior, iniciou aí um trágico processo de desprendimento da Harmonia inicial
em que fora sonhado pelo próprio Autor de toda a Perfeição.
E assim nasceu o Desequilíbrio e toda a Dor.
Porque tudo antes no homem era comandado pela própria Harmonia e só nela o
homem era senhor da sua irrepetível Individualidade e Independência. Como são
independentes os planetas do nosso sistema solar em relação ao sol e entre si.
Quem lhes dá, a cada um deles, a sua misteriosa individualidade, que os
distingue uns dos outros e nos tem neles preso o olhar, amarrando-nos
fortemente o espírito com a sua sedução? Não são as complexas forças cósmicas
que os mantêm nas respectivas rotas e dão anéis a Saturno, fazem de Vénus a
Estrela da Manhã e mantêm no nosso Planeta Azul os oceanos e as flores e as
águias, apesar da nossa sanha destruidora?
Ah se o homem não tivesse feito nada!
Agora é preciso que o homem volte a ficar
quieto. Mesmo que veja tudo desmoronar-se à sua volta, o remédio é ficar
quieto. Mesmo que lhe pareça estar-se desintegrando a máquina do mundo, o que
tem a fazer é ficar quietinho. E não tenha medo. Levante devagar os olhos e
veja: é o Arquitecto da Vida fazendo ruir a construção de morte que
implantáramos por todo o lado em que pusemos o pé, em que tocámos com a nossa
mão, feita assassina.
Ser santo é voltar lá, àquele tempo em que
não tínhamos sequer feito ainda aquele maldito cinturão de folhas de figueira
para cobrir a nossa vergonha. Mas quem sabe já como era esse tempo, a não ser
Aquele que o está vendo ainda, neste momento? E quem se lembra de como éramos
nós antes de nos termos assim mutilado e desfigurado? Só Aquele, certamente,
que nos sonhou e moldou, no Princípio, à Sua Imagem.
Ser santo é estar quieto. Só muito quieto,
para não perder pitada do espectacular trabalho de reconstrução de cada uma das
nossas células, dos nossos órgãos, um a um. Muito quietinhos para poder ver e
pasmar: o Mestre é perfeito! Reconheceremos então a distância a que estávamos
do Paraíso, de que tantas saudades temos não sabemos onde, mas que nos roem,
teimosas, cá dentro. É fácil regressar ao Paraíso: é só estar quieto para não
perturbar o trabalho do Artista!
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