Tens que mudar! - gritamos nós muitas vezes aos outros. Por isso este mundo, em vez de
mudar para melhor, afunda-se cada vez mais na sua maldade. E se acreditássemos
em que só dentro de nós está a Fonte de todo o Bem e de toda a Beleza?
27/10/96
– 10:45
– Várias coisas me estão à porta do coração,
para sair, mas não sei qual delas queres soltar, Mestre. Enquanto me não dás um
ouvido mais apurado, fortalece-me o ouvido da Fé e serve-Te dele para falares
comigo. Largar-Te é que eu não largo!
– Diz porquê, Meu querido companheiro. Que
represento Eu para ti?
– O Céu todo, com Quem, unicamente, me sinto
bem a dialogar.
– Estás-te então afastando das pessoas?
– Não sei como vai ser; até agora o
aproximar-me do Céu fez-me amar a terra na mesma proporção.
– Dá alguns exemplos.
– Dói-me sempre que uma erva é pisada sem
respeito, que uma flor é cortada, que uma árvore é abatida; sinto-me ainda
monstro sempre que empurro a nossa gata com o pé porque não gosto que ela se me
roce nas pernas, e em vez de matar as aranhas, deito-as na bouça; sinto uma
afeição espontânea pelas crianças em que antes não reparava e acho que
conseguiria beijar nos lábios um homem com sida.
– E sabes porque te acontece tudo isso?
– Porque todas estas criaturas são Tuas e
sofrem.
– Mas não sentes necessidade de te afastares
dessas criaturas todas para estares Comigo?
– Sinto. Mas aí está justamente a surpresa:
Tu próprio, que eu levo destes encontros a sós Contigo, pareces estar derramado
pelas criaturas todas e por isso as amo na mesma proporção em que aumenta o meu
amor por ti.
– E isso tem outra consequência, não tem?
– Tem: apetecia-me ver a Cidade toda
destruída! Toma-me todo uma ânsia enorme de me sentir Natureza pura: andar nu,
não ter casa, arribar como as aves, à medida que o frio fosse apertando. E
regressar ao sítio que deixei, para ver a Primavera seguinte toda feita por Ti,
sem o homem lhe ter tocado! Acho que ficaria deslumbrado todos os anos que lá
voltasse, porque todos os anos me apresentarias uma Primavera diferente.
– Mas…?
– Mas não vai ser possível durante a minha
vida terrena – ia eu acrescentar, porque é o que sinto: a Civilização é tão
monstruosa…
– Que sabes já de como se mudam as coisas?
– Deve ter sido esta a interrogação de todos
os dias da Tua vida privada em Nazaré, nos Teus passeios mudos pelo campo… Não
foi, Mestre?
– Foi. A Minha ânsia era encontrar a raiz de
todos os males, para a arrancar.
– E concluíste que a raiz de todos os males
era a mesma?
– Sempre a mesma. Era essa a Luz que
alastrava em Mim.
– Tu estás a dizer uma heresia, Mestre:
estás-Te fazendo um puro homem procurando, procurando, com nós. Tu não tinhas a
percepção instantânea das coisas à medida que as desejavas?
– Também vós tendes a percepção instantânea
das coisas à medida que as desejais.
– Como assim? Nós levamos tempos imensos a
entender e a decidir as coisas e tantas vezes por fim tomamos as decisões
erradas!
– Porque não seguis aquilo que percebeis
instantaneamente. Porque vos quereis apropriar daquilo que percebeis
instantaneamente.
– Ah! Seguir a Luz instantânea que surge em
nós seria estar inteiramente sob a acção de Deus e desabrochar naturalmente
para Ele?
– Sim.
– É essa a única diferença que Te separa de
nós, como homem?
– É.
– Foi assim que descobriste a raiz de todo o
Mal?
– Foi.
– Foi então, apesar de tudo, uma descoberta
progressiva?
– E lenta. Demorou trinta anos. Como um feto
que se forma no seio materno.
– Mas formaste-Te sem interferências…?
– Não foi assim, Salomão: houve terríveis
interferências. O Demónio atacou sempre forte. Como sucede convosco sempre que
tentais seguir a Luz instantânea que em vós brilha. O Meu crescimento foi
tumultuoso.
– Mas foi, apesar de tudo, fulminante!
– Também o vosso crescimento será
fulminante, se seguirdes sem desvios a Luz. Procurai a Luz e segui-a, sem vos
enredardes em filosofias. As relacionações da filosofia são pretextos para não
seguirdes a Luz, apenas.
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