Todos sabemos que, mal a Igreja saiu das catacumbas, logo o príncipe
deste mundo fez dela Instituição igual a todas as outras instituições. E o
Corpo Vivo do Mestre começou nela a definhar, até que hoje o que vemos é um
trambolho colocado entre Deus e os homens, impedindo-os de lidar directamente
com o Pai, o Irmão e o Espírito que nos deveriam habitar e em nós viver sem
obstáculos, como vive uma Família feliz.
21/10/96
– 9:46:26
A Igreja apostatou! – assim sente todo o meu
ser aqui no Deserto. Jesus dorme ainda e envolve-me um Silêncio novo, que se
eleva sobre mim, até à abóbada do céu, como se no centro de uma vasta e
altíssima catedral me encontrasse eu só, escrevendo, e o meu Jesus aqui ao
lado, estendido no banco comprido, dormindo. E o Silêncio fala. Sinto que tudo
quanto ouço vem do Coração do meu Amigo cansado, porque é daí que vem, como de
uma fonte, este Silêncio Vivo, e alastra, e sobe e ecoa na amplidão da abóbada.
Diz que já esteve cheia esta catedral, mas que se foi esvaziando. Que não tinha
bancos, nem altar, nem estante, nem púlpito, e as pessoas cantavam e dançavam e
olhavam emudecidas outros que contavam histórias vivas de que tinham sido
testemunhas vivas. E havia sempre histórias novas, e cânticos novos, e danças
diferentes. E silêncios tão cheios, que quase rompiam as paredes do coração. E
apesar de contar cada um a sua história e de se virar cada um para a dança da
sua predilecção e cantar cada um o cântico da sua preferência e de ouvir cada
um o seu silêncio, reinava na catedral uma harmonia espectacular: ou cantando,
ou dançando, ou ouvindo histórias ou silêncios, mesmo quando lágrimas escorriam
dos olhos, uma por uma, ou em rio, todos aqueles corações se juntavam num
coração só, muito grande, que enchia, com as suas batidas robustas, todo o
espaço da catedral, como se toda ela não fosse mais que um corpo palpitando de
vida em cada membro, ao ritmo daquele único, vivo, enorme Coração.
Mas a catedral esvaziou-se. E vejo-a neste
momento toda presente em Jesus aqui deitado. Como se todo este gigantesco e
robusto corpo se tivesse sumido e engelhado neste franzino e esgotado Corpo do
meu Amigo. Ele era a Catedral e agora a Catedral é uma gigantesca Tensão,
apenas, dentro da qual jaz, mirrado, irreconhecível, este corpo de homem como o
meu, mais frágil que o meu porque nem força tem para escrever e me pede a mim a
caneta e o braço e o cérebro e o último alento do coração para Lhe contar esta
última história que Lhe ouvi antes de Ele adormecer!
A Igreja, todas as igrejas, apostataram!
Mumificaram Deus em ritos e cerimónias e normas e doutrinas. Transformaram a Catedral
da Harmonia Viva em pirâmide faraónica que é, como sabemos, um grandioso
sepulcro onde se enterram os faraós deste mundo, embalsamados. E saíram.
Apostataram. É preciso voltar a encher a Catedral do Silêncio.
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