Sabemos muito bem que a Criação foi concebida e executada como uma
Unidade tão diversa e diversificante, que não há, em toda ela, dois seres
iguais. Por isso a Criação, se não a tivéssemos devastado, se abriria para nós
em surpresas novas a cada passo que déssemos. Quando nos convertemos é,
obviamente, isto mesmo que verificamos estar acontecendo connosco, à medida que
as Mãos omnipotentes de Deus nos reconstroem…
29/10/96 – 2:54
Creio que foi o próprio prazer sensual que
me acordou hoje. E aquilo que seria visto noutros tempos como presença do
Demónio desviando de Deus, foi agora a manifestação sensível da Ternura de
Deus. Foi meia hora de oração muda, mas vibrante, em que o próprio prazer foi
palavra agradecendo.
E este facto está-me chamando a atenção para
a individualidade do processo de conversão. Quando nos voltamos para Deus e
começamos a caminhar, Ele fica tão louco de alegria, que não vê mais ninguém
sobre a terra. A surpresa permanente em que Deus Se torna para nós,
transforma-nos também em contínua surpresa para Deus. Também nós não vemos mais
ninguém sobre a terra. E esta paixão que assim nos toma por inteiro encanta
Deus. É como se, tendo-nos feito e observado desde toda a eternidade, só agora,
espantado, nos começasse a conhecer. Tornamo-nos então para Ele Mistério
interminável, que Ele vai percorrendo com a encantada sofreguidão de um
primeiro amor. Deus enamora-Se de nós! Então dá-nos tudo o que Lhe pedirmos, a
não ser que de todo em todo não possa porque vê que nos faz mal. Exactamente
como os apaixonados. Se Lhe pedirmos, por exemplo, que nos faça rio para fazer
brotar a vida na Desolação em que nos encontramos, Ele fica tão surpreendido,
que nos molda mesmo em rio com as Suas Mãos omnipotentes e à nossa volta o
Deserto vira jardim. Se Lhe pedirmos, por exemplo, que nos faça raio-xis para
podermos ir ver o que se passa no interior das coisas, Ele, que não contava
nada com este nosso pedido, fica tão encantado, que imediatamente as Suas Mãos
fatais nos transformam em feixe luminoso e Ele passa connosco uma noite
inteirinha dentro das coisas, mostrando-nos e explicando-nos com tudo aquilo
por lá funciona
Vemos então coisas que ninguém mais viu,
passamos por experiências por que ninguém mais passou, só nós dois. Por isso é
muito natural que, quando começamos a contar aos nossos amigos o que nos está a
acontecer, eles olhem para nós desconfiados e comecem até a ver em nós indícios
de maluqueira. E se encontrarmos um outro que já tenha sido também assim
seduzido por este mesmo Sedutor, tudo o que lhe contarmos será novidade para
ele e tudo quanto ele nos contar serão certamente histórias de encanto que
nunca tínhamos ouvido.
É este encanto e esta surpresa que faz a
Igreja.
A Igreja é feita de conversões radicalmente
individuais, de processos interiores inteiramente confidenciais entre cada um e
Deus. Se eu contar a alguém na Igreja que Deus me dá largos momentos de prazer
físico, ele dirá Ah!, com o espanto estampado no rosto. Pedirá talvez também
esse prazer a Deus. Mas quando ele vier ter comigo para me contar que Deus lhe
deu o Dom da Sensualidade, eu direi Ah!, porque ele me estará contando uma
completa novidade!
Não há dois caminhos iguais na Igreja de
Deus. E é por isso que ela é una e as amarras que a mantêm na unidade nem os
batalhões todos do Inferno as poderão romper. Os processos do Inferno são
justamente a manada, a maioria, a uniformidade, a fabricação em série. Deus não
faz duas coisas iguais. Tratando-se então da nossa reconstrução, de nós que Lhe
estivemos fora de Casa tanto tempo, de nós que Lhe andávamos perdidos, de nós
que Ele reencontrou cobertos de quistos e de verrugas e de feridas e às vezes
apodrecidos até ao coração e mesmo mortos, ah, tratando-se de nos levantar
deste estado, quando vê no fundo da nossa miséria um lampejo de ternura pelo
Seu Rosto, Ele paralisa o Universo inteiro para vir alterar o acto criador do
homem, fazendo da criatura filho!
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