Não
ponho cuidado nenhum em fazer literatura ou poesia nesta escrita. Escrevo sempre
e só o que estou vivendo em cada momento, o mais espontaneamente que me sai;
prender a atenção das pessoas à própria expressão trabalhada, isso é que nunca.
22/10/96 – 3:34
– Jesus, preciso que fales comigo.
– Porquê especialmente agora?
– Porque não tenho a Tua Paz.
– Como reconheces a Minha Paz ou a sua
ausência?
– Pela certeza ou incerteza de estar fazendo
a tua Vontade.
– E que se passa então dentro de ti?
– Acho que é desta secura: interrogo-me se
estarás contente comigo, se não te estarei magoando de qualquer forma.
– Diz o que sucedeu agora mesmo no teu
coração.
– Senti a Tua Paz quando me interroguei se
Te estava magoando.
– E como sentiste a Minha Paz?
– Senti que ficaste feliz pelo simples facto
de eu manifestar o meu cuidado em Te não magoar.
– E é sincero, isso?
– É o que há de mais sincero em mim. Prefiro
mil vezes ser magoado do que magoar-Te eu a Ti.
– E em que achas que Me podes ter magoado?
– Não sei. É só uma inquietação…. Talvez em
não estar jejuando de alimento, talvez em tratar ultimamente com maior rudeza
as minhas filhas, às vezes penso que deveria rezar mais, pedir-Te o Teu
Espírito, para que a escrita não seja oca.
– Sente-la oca, às vezes?
– Às vezes parece-me que não vem carregada
do Teu Mistério, talvez eu esteja apenas a fazer frases bonitas – penso eu.
– Esta escrita não deve ter frases bonitas?
– Como Te hei-de responder, Jesus? Feias é
que elas não devem ser. Mas tenho medo de que a expressão inesperada prenda as
pessoas às palavras e as afaste do conteúdo.
– Dá, dá esse exemplo que tens no espírito.
– Ontem as expressões Catedral da Harmonia
Viva, Catedral da Fé, Catedral da Paz, Catedral do Silêncio…
– Olha: não ficou cheia, ontem, a Catedral?
– Ainda não, Mestre. Estavas lá só Tu e eu,
Tu dormindo e eu escrevendo.
– E estiveste a fazer literatura enquanto Eu
dormia?
– Não sei. Eu estava sentindo uma grande
ternura por Ti.
– E da Catedral, o que disseste?
– Que estava vazia; só um Silêncio muito
tenso a inundava.
– Sentias isso assim?
– Sentia.
– Que significa “Silêncio tenso”?
– Que não pode permanecer assim muito tempo.
Que tem que acontecer ali qualquer coisa.
– Urgentemente?
– Urgentemente.
– E qual foi a visão que tiveste?
– A Catedral cheia, em breve. E a esperança
de que até os homens da Instituição, abandonando a sua pirâmide, lá entrem de
coração pobre e feliz.
– Olha: os homens da Instituição costumam
gostar de frases bonitas, não costumam?
– Costumam. Eles vivem muito disso.
– Então pode ser que, atrás da frase bonita,
eles entrem na Catedral, não achas? Até porque isso de catedrais também é com
eles, não é?
– É, Mestre, eles gostam muito de grandes
catedrais. Mas também prezam muito a objectividade e aquelas expressões são
muito “poéticas” lá para eles.
– E não há poetas entre os homens da
Instituição?
– Poetas de coração, não, não podem sê-lo;
se o fossem, mais cedo ou mais tarde sairiam da Instituição.
– Como tu?
– Eu acho que nunca lá assentei.
– Mas a Instituição gostava de ti.
– No fundo, acho que sim.
– Sabes porquê?
– Talvez porque no fundo conserva ainda
alguma sede de poesia. Talvez também precise dela para se legitimar, como
precisa de obras de caridade.
– Então já vês: pode ser que, atrás da
poesia, eles venham vindo e entrem na Catedral. E quanto à
objectividade…faz-lhes uma frase objectiva.
– Acho que não consigo: desde que ando Contigo,
cada vez mais me movo no campo da subjectividade…
– Mas acho que podes, sim, podes fazer-lhes
uma frase objectiva. Diz-lhes que Eu os amo a todos perdidamente.
– Homens da Instituição, Jesus ama-vos a
todos perdidamente.
– Pronto. Esta frase eles aceitam todos como
objectiva, não?
– Acho que o “perdidamente” não aceitam.
– Diz-lhes que tomem o “perdidamente” à
letra. Que Eu amo até Me perder, até à morte. Eles sabem-no e pregam-no muitas
vezes.
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