“Quem
não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus” (Jo 3,3) - assim disse Jesus um dia ao fariseu
Nicodemos. Talvez todos os que abrirem esta página tenham conhecimento deste
célebre episódio. Mas, como tantas vezes acontece, talvez não tenhamos lançado
ainda sobre esta declaração do Mestre um segundo olhar… São aqui ditas duas
coisas estranhas: não pode ver o
Reino de Deus aquele que não nascer de
novo. Isto é, não pode sequer ver,
muito menos entrar no Reino que Jesus veio anunciar aquele que não aceitar morrer acreditando que renascerá. Não
parece, portanto, possível uma outra leitura: para fazer parte deste Reino que “não
é deste mundo” é preciso começar tudo
desde o princípio, aceitando
previamente perder tudo até à morte. Talvez a mensagem seguinte lance alguma Luz
sobre esta verdadeiramente louca proposta de Jesus.
É necessário termos sempre em conta esta realidade: todos os nossos
conceitos foram formados a partir de uma situação que não só não nos é natural,
mas consiste mesmo numa profunda mutilação da nossa natureza. Não admira, pois,
que toda a nossa visão esteja também distorcida. Assim, ao agirmos em
conformidade com esta visão, é óbvio que só produzimos cada vez mais
deficiência e portanto cada vez maior sofrimento. É claro que toda a obra
realizada em tal desarranjo interior só pode povoar a terra de novos factores
de mutilação das nossas vidas. É por isso que ouvimos frequentemente este
estranho desabafo: Este mundo está cada vez pior!
Como podemos então consertar o mundo? Só, naturalmente, reencontrando a
nossa verdadeira natureza e readquirindo assim o nosso olhar original. Mas esta
é uma tarefa manifestamente difícil. De facto, como podemos empreender uma obra
destas, se ao agir produzimos sempre maior deficiência? Por isso Jesus, com a
Lucidez que todos Lhe reconhecem, proclamou que tal tarefa é não só difícil,
mas impossível! Apresentou então a Sua tão célebre como louca solução: é
preciso que as pessoas se deixem morrer. Porque só podemos voltar à nossa
natureza começando tudo de novo, isto é, renascendo!
Mas como posso eu, uma vez morto, poder seja o que for? E foi aqui que o
nosso Mestre nos revelou o segredo da nossa Libertação: é preciso entregar-se!
Esta atitude, tão contrária a tudo quanto até agora nos disseram e de facto
fizemos, não podemos negar que tem uma terrível lógica. É terrível porque
implica deixar cair tudo quanto tão penosamente levantámos; mas, por ser
lógica, torna-se fascinante. Se, de facto, eu vir que não me posso reconstruir
a mim mesmo, que pode haver de mais fascinante do que entregar-me ao meu
Criador, para que Ele me refaça desde o princípio, uma vez que só Ele sabe como
me concebeu e como eu seria se não tivesse seguido o insensato caminho que
assim me deformou?
Então penso: como há-de ser bom nascer outra vez! Voltar ao princípio e
passar a ver tudo com os meus olhos naturais! Como deve ser diferente o mundo
que então verei! E como me deverá doer a visão deste mundo que abandonei, ao
ver os meus irmãos, inconscientes ou obstinados, a mutilar-se sem descanso! É
verdade que então apreciarei melhor o tesouro do Bem. Mas saberei que, sem o
Mal, mais vivo e doce seria o Bem! (Dl 28, 26/6/04)
Vivamente recomendo também o texto 24 (Março 2010)
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