Todos sofremos. Julgo mesmo que posso
acrescentar, sem grande margem de erro: muito. Todos sofremos muito. Se não
concordamos, talvez esteja na hora de verificarmos que a maior parte de nós não
fala do muito que sofre, a não ser, talvez, aos mais íntimos amigos. Se de
repente desatássemos a falar publicamente da crueldade que atinge a nossa dor
escondida, deixaríamos o mundo boquiaberto e, muito provavelmente, muito mais
solidário. Sabemos como o sofrimento chega a misturar-se com o mais inocente,
forte e puro amor. Trata-se, porventura, do maior enigma da nossa existência.
Aqui Jesus prefere chamar-lhe Mistério e ocupa com este tema inúmeras páginas.
Esta, por exemplo:
Este Sinal (5:10) pede-me que
proclame o Mandamento de Jesus. E quando eu desejo saber qual é o Mandamento
que agora devo proclamar, dentro de mim forma-se esta resposta: “Que vos ameis
uns aos outros como Eu vos amei”. E quando eu quero saber o que devo
acrescentar, uma vez que aquele é o Mandamento conhecido e, na ânsia de ser
esclarecido pergunto porque não falam os meus Amigos do Céu comigo, muito
rapidamente senti formar-se esta resposta: “Porque te amamos”.
Pode então o Amor exigir que se coloquem as pessoas que amamos em
situações dolorosas. E de repente uma Luz muito intensa me fez ver o óbvio:
Jesus foi colocado pelo Pai numa situação extremamente dolorosa e o próprio
Jesus me trouxe a mim para este doloroso Deserto! E não podemos duvidar de que
tanto Jesus como eu próprio fomos objecto de um imenso Amor.
Parece, pois, que o autêntico Amor, por mais estranho que nos pareça,
faz sofrer necessariamente. Mas o mais estranho é que o Amor não nos faz sofrer
apenas a nós que amamos: ele provoca o sofrimento também naqueles a quem
entregamos este nosso doloroso Amor! Diremos então que não há Amor verdadeiro
sem sofrimento. Com o Amor recebemos o sofrimento, e ao amarmos transmitimos o
sofrimento! Não podemos, pois, amar como Jesus amou, se não transportarmos e
não transmitirmos este fluxo do sofrimento. Veja-se se o sofrimento não foi
transmitido por Jesus aos Apóstolos e depois por estes, em cadeia, a milhares
de mártires. E quando esta cadeia foi quebrada, aí deixou de se ver nos
cristãos o Amor! Foi aí que nasceu a Igreja como Instituição, fazendo parar
este fluxo de sangue porque, como máquina que é, obstruiu no seu corpo as veias
e as artérias do Amor!
Insondável Mistério, este! Como todos os Mistérios, aliás. Insondável,
mas não impenetrável. E, como todos os Mistérios, à medida que nele se avança,
se multiplicam as surpresas. E também neste Mistério, como em todos os outros,
nunca são desagradáveis as surpresas: o avanço nos Mistérios só faz desabrochar
o Amor e com ele a nossa felicidade. Trazendo, pois, o Amor sempre consigo o
sofrimento, ele traz consigo sempre maior felicidade!
Como se pode isto explicar?
Não pode: se nenhum Mistério é explicável, muito menos este. Mas pode
sentir-se. De tal maneira, que pode chegar a desejar-se ardentemente o
sofrimento. O mundo não pode entender isto e chama masoquistas a estes que
desejam o sofrimento. Mas é justamente este um dos grandes sinais da
autenticidade do nosso Amor: o desprezo e a perseguição do mundo. É que o Reino
do Amor nada tem a ver com o reino em que vivemos…
Não é possível, portanto, mesmo empregando em máximo grau todas as
capacidades da nossa carne, viver sem dor neste mundo; pelo contrário, quanto
mais a obra das nossas mãos se desenvolve, mais matéria morta acumula sobre nós
e maior asfixia provoca na nossa Alma. Não vale portanto a pena enganarmo-nos:
o sofrimento fará sempre parte da nossa vida. Podemos é dar-lhe uma direcção
nova. E então, em vez de nos esmagar, ele poderá tornar-se uma tremenda força
libertadora. E é quando esta viragem acontece em nós que o sofrimento se torna
a fonte de uma invencível Alegria!
Veja também o texto 75 (Maio
2010)
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