– O Amor deveria ser sempre ardente, não
concordas, Maria?
– Em vez de ardente, ias escrever outra
coisa…
– Escaldante.
– E porque não usaste essa palavra?
– Tem uma conotação exclusivamente sexual…
– Mas tu vens dando ao sexo uma importância
que se diria nuclear, no Amor…
– Ah,
Maria, às vezes gostaria de ter uma visão que abarcasse todo o Mistério ao
mesmo tempo…
– Para distinguires o nuclear do periférico?
– Para ver o lugar de todas as coisas na
Harmonia. Para ver a Vida e a Harmonia juntas no Amor universal.
– Achas que o Amor é feito dessas duas
Forças?
– Elas são as duas Árvores que Deus colocou
no nosso antigo Paraíso, de cujo fruto não poderíamos comer, porque era
necessário que elas transcendessem sempre a nossa condição de criaturas. Havia
uma fronteira a manter: nós éramos só Imagem, só Semelhança de Deus.
– Ainda não te sentes muito confortável com
aquela proibição…
– Eu já vi que não era uma proibição; era só
uma informação… À primeira vista, a situação parece ter, de facto, algo de
cínico: Deus colocara ali aquelas duas Árvores, certamente com os mais
apetitosos frutos – e ao mesmo tempo impedia-nos de os comer! A nossa lógica,
revestida de dignidade moral, diz-nos que das duas, uma: ou Deus não punha ali
as Árvores ou, se ali as exibia, não nos poderia proibir de chegar a elas, como
a todas as outras e comer dos seus frutos. É muito difícil explicar porque fez
Deus isto.
– Explicar. Mas entender, tu já entendeste!?
– Tu sabes que agora eu só vejo nas Decisões
de Deus Amor puro.
– E em que consistiu o Amor, naquela Decisão
de colocar as Árvores no Paraíso?
– Consistiu na revelação da Verdade inteira,
sem nenhuma reserva. Tenho escrito que Deus é ingénuo e esta Ingenuidade é dos
Atributos que mais me espanta e mais aproxima Deus de nós. Ele transforma o
Amor de Deus numa Ternura infinita, numa doação indescritível. Com aquelas duas
Árvores Deus escancarou-Se literalmente perante nós. Ele mostrou-nos a própria
Fonte da nossa Felicidade. Disse-nos que a nossa natureza era feita de uma substância
que não comportaria aqueles frutos. Podia ocultar-nos isto? Podia. Mas a
Liberdade que nos deu não seria plena.
– Isto é, o Homem deveria ser o que era por
livre escolha e não por ignorância de uma parte substancial da Realidade!?
– Sim!… A Felicidade do Homem enquanto
criatura era plena, mas deveria ser escolhida e aceite sem condicionalismos de
nenhuma espécie. Para isso o Homem precisava de ter a visão da Existência toda!
Não é esmagadora, Maria, a Ingenuidade de Deus?
– Se nós tivéssemos esta Ingenuidade, o
nosso amor seria sempre ardente?
– E até escaldante!… Agora que Deus e Homem,
Espírito e Carne se tornaram Um só, nada me admiraria se o Sexo passasse a
estar no Núcleo, no Coração da Existência, irrigando com as suas pulsões vigorosas
todo o Corpo do Ser com uma Sensualidade inebriante!
São 10:22!?
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