- Mestre, deixa-me encontrar-Te dentro de mim. Não sei
onde possas estar…
- Diz sempre o que se passa dentro de ti, mesmo que te
pareça despropositado.
- Agora estou procurando ver donde me vieram as
próprias palavras que acabo de pôr na Tua boca.
- E nada encontraste ainda?
- Não… Parece-me que é o próprio vazio que fala.
- O vazio?
- Sim… Não Te consigo visualizar… Tu és as próprias
palavras, que me parecem surgir do Nada.
- Vazio e Nada são a mesma coisa?
- Parecem ser… Eu não tenho limite nenhum… A minha
intimidade não é agora um núcleo fechado: dentro sou todo aberto não sei para
onde.
- Como pode isso ser? Se a tua intimidade é aberta, que
é do teu corpo? Tu tens ainda corpo?
- Nem sei, Mestre… É como se ele fosse só uma leve
crosta no cimo dessa imensidão que se abre para baixo!
- Para baixo?
- É essa a sensação que tenho: o corpo é só um chapéu e
para baixo desse chapéu está o meu ser todo, diáfano, gigantesco, sem limite
nenhum.
- Então esse “chapéu” pode até desaparecer!?…
- Sim, está-se-me tornando cada vez mais pequeno… Agora
é só como a crosta de uma ferida, que em breve se desprenderá e desaparecerá,
porque a ferida curou.
- Vê então melhor agora: continuas a sentir-te aberto
para baixo?
- Sim, mas só porque o meu corpo, reduzido assim a esta
leve crosta, ainda existe e como que pesa sobre o meu ser infinito.
- Como pode assim pesar uma leve e pequena crosta no
corpo de um gigante sem limites?
- Ela é o resto do meu ser material e opaco a que eu
chamava corpo e que encerrava dentro de si toda a infinitude que agora vejo
liberta, imaterial, estendendo-se até onde eu não consigo atingir.
- Estendendo-se para baixo?
- Estranhamente, sim! É como se o meu corpo tivesse
caído no chão e se tivesse aberto para baixo, para a terra…
- Para a terra? E a terra não constitui obstáculo ao
avanço desse teu ser infinito?
- Não! Ele não conhece obstáculo nenhum!… É como se
avançasse por todo o orbe terrestre, trespassando-o sem nenhuma dificuldade.
- E o teu corpo é só agora uma cascazita, digamos,
poisada sobre o pólo norte?
- Sim, a imagem é essa…
- Os limites do teu ser invisível são agora os da
terra?
- Não sei… Sim, eu sou do tamanho do nosso Planeta
todo… Eu sou o Planeta todo, tornado
invisível… Eu sou uma enorme esfera invisível no Espaço, mas nem sequer sei
onde são os limites desta esfera…
- Tu és só intimidade, agora?
- Sim! Toda esta imensidão, tão livre, tão sem limites,
estava dentro de mim e agora o invólucro que a encerrava está reduzido a uma
crosta quase invisível no corpo desta imensidão.
- Escreve a imagem que te passou pelo espírito agora.
- Esta crosta é como o resto do cordão umbilical,
prestes a desaparecer, deixando como sinal, no corpo infinito, apenas o umbigo.
- Diz como te sentes agora, depois de nascido “para
baixo”, para a Terra.
- Parece que estão querendo despertar em mim todas as
sensações da Terra: as montanhas e os vales povoados de seres vivos, o mar com
a sua força e vivacidade, o fogo que está no centro da Terra…
- E continuas invisível?
- Continuo.
- Mas já não é vazio o que sentes!?
- Já não. Mas o que me está acontecendo é muito leve…
São só sensações muito diluídas…
- E como querias que fosse? Não vês que por enquanto
tens que permanecer onde estás, encerrado nesse teu corpo escrevendo?
- Mas diz-me, Mestre: porque me abri eu para baixo,
para a terra?
- Porque o Céu não é para fora das coisas. O Céu não é
oco. Não é uma ausência de realidade!
São 6:32.
Sem comentários:
Enviar um comentário