- Como tu sabes, Maria, não escrevi nada ontem porque
fui logo de manhãzinha com a Lua ao veterinário, para ser castrada. E era sobre
isto que eu queria hoje falar Contigo.
- O facto de não teres escrito nada já não te
perturba!?
- Não: nunca me foi dada nenhuma lei que me obrigasse a
escrever todos os dias; só houve, no princípio, um pedido de Deus, perdão, um
pedido meu a Deus para que escrevesse Ele próprio o que me viesse à cabeça.
- Estranho pedido esse, não?
- Sem dúvida. Mas gostaria que me dissesses Tu o que
achas nele de estranho.
- Então aqui vai: o seres tu a pedir a Deus que
escrevesse; o pressupores que pudesse Ele próprio escrever; o admitires que a
escrita de Deus pudesse ter como conteúdo o que te viesse à cabeça.
- Sim, já aqui ficou gravado o nosso pasmo perante um
pedido desses. Mas tu acabas de pôr logo à cabeça da nossa estranheza um
aspecto em que nunca insistimos: o ser eu afazer o pedido. Isto tem muito que
se lhe diga, não achas?
- Há-de ter, se tu o dizes… Onde vês aquilo que nunca
dissemos?
- Nunca falámos no meu atrevimento. Para além de ser um
pedido louco, como me atrevi eu a fazê-lo? Aliás não foi tanto um pedido; foi
mais um desejo. Um desejo com um ar quase imperativo: “Eu queria que Tu
escrevesses por aqui abaixo…”.
- Parece um estranho atrevimento, sim. E consegues
determinar porquê?
- Posso responder-Te o que agora me está presente no
coração, com muita clareza: aquele foi um pedido, ou um desejo do Espírito
Santo em mim.
- Como se fosse Ele que desejasse e quase ordenasse ao
Verbo que Se escrevesse, fazendo Sua até a tua forma de escrever!?
- Sim! Foi toda de Deus a iniciativa desta escrita e é
d’Ele até também a própria expressão material dos conteúdos.
- Portanto, se não escreveste nada ontem, foi porque o
próprio Deus assim quis!?
- É com temor e tremor que Te vou responder que sim,
mas tem que ser: efetivamente sinto que Deus comanda até ao pormenor esta
Escrita: ela é o Evangelho da Sua silenciosa e silenciada Incarnação nos mais
miudinhos passos e gestos da nossa vida na Cidade. Na verdade, nunca me
recriminei quando nada escrevo e o meu ouvido esteve especialmente atento
nesses momentos.
- Achou Ele então, neste caso que, mais importante que
a escrita, era ir ao veterinário fazer o que foi feito!?
- Com grande dor, acho que sim.
- Dor…de quem? Tua, ou de Deus?
- Dor de Deus doendo em mim.
- E portanto dor tua!?
- Inteiramente minha.
- Portanto, aquilo que foi feito teve mesmo que ser
feito!?
- Teve. Porque Deus está totalmente incarnado em nós,
aqui onde nós estamos, atravessado pelos mesmos problemas que nos trespassam.
- A castração da tua gatinha trespassou-te como…como
quê? Como uma espada?
- Como várias espadas. Tenho resistido sempre em
levá-la a essa mutilação, perante a insistência dos meus mais próximos.
- Explica melhor porquê.
- Porque, além da mutilação física de um órgão
importantíssimo no corpo daquela pequenina, priva-a das maiores alegrias da sua
vida: sinto que a época do cio lhe dava imenso prazer e era visível a sua
felicidade ao ver os filhinhos nascidos e ao conduzi-los à adolescência.
- Há-de haver, no entanto, também fortes motivos para o
próprio Deus ferir assim uma das Suas criaturas.
- Pois… Os motivos são os conhecidos. E bem fortes: a
Cidade é tirânica e assassina e enquanto ela não cai temos que tentar sofrer
nela o menos possível, já que nunca haverá hipótese nenhuma de ela um dia nos
fazer felizes.
São 10:40!!
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