— 10:34
— Vês, Mestre? Quis abandonar-me todo nas Tuas Mãos e vim ter aqui…
— Aqui, aonde?
— Tu sabes: a esta secura que ninguém entende, depois de cinco mil e trezentas páginas a falar Contigo e com o Céu inteiro!
— Esclarece melhor que secura é essa.
— É o ter ficado sem assunto nenhum, é o parecer-me ter sido durante este tempo todo apenas recoberto de um verniz frágil que estalou todo e me deixou à vista outra vez a minha total incapacidade e bruteza, como no princípio.
— Exprime isso que estás a pensar agora.
— Não sei porquê – mas Tu sabes certamente – dei comigo considerando que me desprendi muito mais do alimento corporal e que como, de facto, muito menos agora.
— E não era essa a maior amarra com que te sentias ainda preso à carne?
— É verdade: eu cheguei a considerar esta fome do estômago como um autêntico rival Teu, o maior de todos em mim.
— E já não é?
— Parece que não… Vamos a ver quando vier o frio…
— Não tens então a certeza de que esse maior desprendimento da comida material seja um Dom Meu!?
— Acho que tenho, Mestre. Pelo menos tenho uma certeza: se não fores Tu a retirar daqui este rival Teu, ele não sai com nenhuma outra força deste mundo. Por isso Te tenho pedido tanto que o retires. Mas estou tenso, na expectativa do teste do próximo Inverno, a ver se ele desapareceu ou não.
— Ficavas feliz se o sentisses de todo desaparecido?
— Ficava.
— E por que querias vê-lo substituído? Já Mo disseste muitas vezes, mas repete-Mo, repetes?
— Que me transferisses esta fome do estômago para o coração.
— E neste momento não queres ampliar ou alterar este pedido?
— Quero: que me ponhas no coração uma insaciável fome do Pão que nos revelaste na Tua Última Ceia entre nós, uma sede ardente do Vinho que ali mesmo nos ofereceste.
— Que vês no Pão e no Vinho que então tomei nas mãos e abençoei?
— Um tremendo e fascinante Mistério que até agora apenas adivinho; tenho-lhe permanecido só à porta, à espera que ma abras.
— E que será abrir-te a porta?
— Sentir Corpo Teu aquele pão, Sangue Teu aquele vinho.
— Sentir onde?
— Sei lá… Na boca, nas papilas gustativas…no corpo…
— Não acabaste de Me dizer que querias uma fome e uma sede no coração?
— Sim. Eu sei que é no coração que devem estar todas as minhas fomes, toda a minha sede, mas eu deste Teu alimento acho que posso sentir e pedir-Te uma necessidade física e o respectivo prazer corporal ao sentir-me saciado…não sei… Como vou dizer estas coisas?
— Diz-Me só: porque Me pedes uma sensação física?
— Porque quero sentir o meu corpo ressuscitar, este corpo que arrasto agora pelas ruas da nossa Cidade e que sinto definhar lentamente.
— Porquê este corpo?
— Porque foi este que me deste e não outro, foi exactamente este que Tu sonhaste imortal, mas que o meu pecado feriu de morte.
— Exactamente este?
— Sim. É esta a minha Fé. Diz-me Tu mesmo, com palavras bem claras, o que neste preciso momento me estás mostrando no coração.
— Também o teu corpo é definitivo e irrepetível! O barro que levantei da terra ao criar-te não é um acidente: faz parte da Tua Alma e forma com o Nosso Espírito em ti um ser uno.
— Então quando pecamos…
— Quando pecais o vosso corpo entra em decomposição, amarfanhando com ele o Sopro da Vida. Vede, por favor, quanto nos dói a vossa ruína.
— Então quando nos ressuscitas, não é outro o corpo que nos dás!?
— Não! É este mesmo, este que se está decompondo.
— Então a Eucaristia…
Jesus deixou-me assim, com esta Luz alastrando… Ele nunca pára.
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