27/8/97 — 1:20 — Faro
— Olá, Mestre! Está-Te doendo muito a Tua Solidão, não está?
— Já tenho agora algum apoio, no teu ombro, em alguns outros ombros assim…
— Contentas-Te com pouco, Redentor. Mesmo que nós os Teus amigos fôssemos uma pequena multidão, o apoio que te daríamos estou-o comparando com o apoio que me dá a mim o Snupi: por mais fiel que me seja e me enterneça, nunca com ele eu poderei partilhar as minhas mais fundas e autênticas dores…
— Não é assim, Salomão…
— É, é, Mestre. Não tenhas medo de o dizer. Por mais pesaroso que eu fique, não posso deixar de reconhecer a distância que vai da Tua visão à minha, do Teu Coração ao meu.
— Não fales assim, Meu amigo, que Me pões mais triste e só… Se apenas me pudésseis dar o que o Snupi te dá a ti, achas que Eu teria percorrido todo este caminho, suportado toda esta dor?
— Ah, Mestre! Que entendimento é o nosso, perante a Tua Omnisciência, que amor poderá ser o nosso perante a Tua Loucura de por nós suportares há tantos milénios a nossa animalesca bruteza e cegueira de espírito?
— Não fales assim, Profeta, que Me estás magoando muito. É verdade que muitas vezes vos vejo mais insensíveis que animais, mas vejo também dentro de vós o Meu Espírito, ansiando por que O deixeis fazer de vós Meus perfeitos irmãos.
— Entretanto Tu é como se Te tivesses feito bicho, tão bruto e incapaz como nós, para tentares acordar a centelha do Teu Espírito que asfixiámos dentro de nós!?
— Sim, eu fiz-Me exactamente um de vós.
— Fizeste-Te, por nosso amor, assim bruto e incapaz!?
— Fiz.
— Vieste também revolver-Te na lixeira em que nos revolvemos, todos sujos e desatinados!?
— Vim.
— Fazes as mesmas figuras ridículas que nós fazemos só para que nos sintamos Teus iguais?
— Faço.
— Deixa-me que seja mais claro ainda a perguntar, Mestre: Tu também matas e roubas e violentas o nosso semelhante, com nós fazemos?
— Sim. Faço tudo isso, quando vós o fazeis!
— Agora então protege-me, senão matam-me! Defende-me, por exemplo, apontando-me casos em que assim estiveste connosco fazendo aquelas coisas.
— Matei e roubei convosco quando, comandados por Josué, conquistastes a terra de Canaan, a prometida…
— Estavas também connosco matando e pilhando quando foi da Inquisição?
— Estive sempre convosco naquilo que fizestes quando não vistes outra forma de servir o vosso Deus.
— Parece-me que fugiste um pouco agora à resposta directa, Mestre.
— Não, não fugi: respondi com a verdade total.
— Tu estavas torturando juntamente com aqueles que pensavam ser essa a única via para arrancar da Tua Igreja o erro e a corrupção?
— Estava.
— E como Te sentias Tu?
— Sofrendo mais do que aquele que estava a ser torturado.
— Então estavas também na fogueira sendo queimado vivo com aqueles que assim morreram julgando-se inocentes?
— Eu estou sempre sendo queimado vivo com todos os queimados vivos na fornalha deste mundo! Só não os posso nesse mesmo instante levar Comigo para o Paraíso se eles se recusarem a ir.
— Como o mau ladrão?
— Sim.
— Ah! É verdade que Tu estavas com Ele no mesmo sofrimento!… Bem hajas muito pelo que agora nos ensinaste. Mas creio que ficaram muitas coisas por entender…
— Podes apontar-Me uma?
— Tu estares ao mesmo tempo torturando e sendo torturado…
— Não há dois seres humanos numa posição e noutra?
— Há. Mas um é carrasco e o outro é vítima. Custa-nos muito entender que Tu possas estar com o carrasco fazendo sofrer assim.
— Não fiz eu sofrer com o Meu chicote, no templo?
— Sim, mas…
— Não foi o Meu Pai conivente com os Meus carrascos em toda a Minha vida, sobretudo nas horas da Minha Paixão?
— Custa-nos tanto entender isso que dizes…
— Não estou Eu todo o tempo repetindo-vos que amo tanto o carrasco como a vítima?
— Quem Te entenderá, meu louco Redentor?
— Tu entenderás. Eu creio em ti.
São 3:37!
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