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Celebra hoje o meu país uma revolução política. E eu chego a enternecer-me com a cegueira que esta revolução revela. Eu tinha 33 anos quando ela se deu e recordo a emoção que senti nessa altura. Uma verdadeira emoção de cego. Foi como se me tivessem mudado de uma cave bafienta e escura para uma cela cheia de ar e luz. Mas não me apercebi da verdade que agora vejo: eu continuei prisioneiro.
Enterneço-me, contudo, comigo e com os meus compatriotas, ao contemplar aquele momento, aquele dia, aqueles primeiros dias de ingénua alegria pelo espaço novo para onde nos estávamos mudando. Enterneço-me ao considerar como quem tão pouco tem, com tão pouco se contenta. Pobrezinhos de nós que gritamos a todo o mundo a nossa alegria quando nos mudam de uma masmorra para uma cela larga com porta de ferro e grandes janelas gradeadas!
Por isso os olhos novos que Jesus me deu não me deixam condenar ninguém; ficam, antes, humedecidos de teimosas lágrimas quando vêem alguém gastar as suas forças, ir às vezes até ao sacrifício da sua vida para mudar para melhor a nossa situação dentro do cárcere. Por isso me comovo com o risco que por nós correram os capitães do Movimento da Forças Armadas, há vinte e cinco anos. Por isso sinto um natural respeito por todos os chefes políticos que sinceramente procuram melhorar as condições da nossa existência neste mundo. Eu próprio fui um desses candidatos à chefia de uma cidade, cheio de ingénuas, boas intenções. Sem êxito, e ainda bem, porque o Pai do Céu me estava já orientando por outro caminho, radicalmente novo…
Entendo agora o distanciamento de Jesus em relação às coisas da Cidade: Ele não vinha alterar as nossas condições de vida dentro da prisão, mas, mais ainda do que libertar-nos da prisão, desfazer a própria prisão! Era preciso, não só que acabassem os prisioneiros, mas que a própria prisão desaparecesse, para que de todo fosse lavada da terra a memória da Iniquidade.
Deus não faz nada a meias.
Dê-se então a César o que é de César enquanto tiver que haver Césares para governar a Cidade. Mas todo o coração dos discípulos de Jesus estará cheio da ânsia de que a Polis, enfim, se desmorone e, como barro puro que é, se afunde na terra, de modo que nunca mais seja vista à superfície. É claro que esta ânsia vai fazer doer muito no coração do discípulo de Jesus, porque passará a ser um prisioneiro consciente de viver encarcerado. Mas a sua alegria será também muito funda ao saber do destino último da Prisão.
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