16/7/00 — 2:55
— Hoje, Mestre, o meu desejo é que me conduzas inteiramente à Tua Vontade: eu, como vês, não tenho nada dentro de mim que possa escolher.
— Que tens então dentro de ti?
— Uma paisagem sem cor. Uma espécie de preguiça, em que o corpo está mole e também os sentimentos estão todos indiferentes.
— Nenhum sentimento se realça?
— Apenas o desejo de que, por qualquer via, me tires daqui e me ponhas a caminhar, me dês movimento…
— E não querias ficar só assim, descansando?
— O estado em que me encontro não é de descanso; é de pura quebra de todas as energias.
— No descanso autêntico não há quebra de energias?
— Não: elas continuam fortes e vivas; apenas cessaram a sua acção para fora.
— Descansar é ter as energias voltadas para dentro?
— É. É um viver só para si, como quem contempla e se compraz no seu próprio ser.
— Quando dormes estás descansando?
— Sim, quando nada perturba o meu sono.
— E as tuas energias continuam actuantes, enquanto dormes?
— Continuam. Igualmente vivas e poderosas.
— Voltadas para si mesmas?
— Sim, recompondo e fortalecendo a harmonia entre si mesmas.
— Na preguiça não acontece esse renovamento interior?
— Não: na preguiça há um qualquer desmoronamento, uma lenta desagregação…
— No descanso continua havendo construção?
— Nitidamente. Uma construção harmoniosa.
— Por isso caracterizaste a tua situação inicial como paisagem sem cor?
— Sim: onde o brilho das cores murcha, ou mesmo toda a cor desaparece, é porque está acontecendo uma morte.
— A Preguiça é um estado de morte?
— É. É pelo menos o brilho das cores da vida que está desaparecendo.
— Foi por isso que Me pediste ajuda?
— Foi: se não Te tivesse a Ti, a minha vida entraria numa desagregação porventura lenta, mas irreparável.
— Tem outra vez cor, agora, a tua paisagem?
— Posso não notar ainda o avivar-se das cores, à superfície. Mas sinto já o tumulto da vida ondeando dentro de mim: mais tarde, inesperadamente, as cores vão avivar-se com toda a certeza.
— Isso quer dizer que estás verdadeiramente descansando, agora?
— Sim. Pode o corpo estar cansando-se, mas a harmonia está regressando.
— Diz outra vez então o que é a preguiça.
— É o princípio de uma desistência em viver.
— O contrário do preguiçoso é aquele que trabalha muito?
— É aquele que vive muito.
— Viver muito não é necessariamente trabalhar muito?
— Não. O activismo desenfreado da Cidade é mesmo sinal de desagregação, de morte.
— Onde está, então, o verdadeiro Descanso?
— Em ti, Fonte de toda a Vida.
São 4:37.
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