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Aqui na confeitaria há muito barulho neste momento: são as vozes das pessoas a tentar sobrepor-se ao rádio, em alto volume de som. E é neste ambiente que eu estou tentando sintonizar a Voz de Deus.
Mais uma vez na vigília o Mestre me disse que é no estrondo de Babilónia que Ele me quer, para que aí, onde todo o tempo só o barulho circundante nos suga a atenção, a Sua Voz desça e mesmo aí os ouvidos assim massacrados a possam ouvir. E é tão importante esta missão que o Mestre assim me entrega, que resiste a todos os meus pedidos para que me dê a locução interior, para que, enfim, de qualquer forma, me deixe ouvir, bem nítidas, pelo menos algumas palavras pronunciadas directamente pela sua própria Voz, com o seu timbre, de modo a que eu a possa identificar claramente.
Mas não: Ele nunca satisfez este meu pedido. E eu sei quanto Lhe custa resistir assim aos meus queixumes. É, portanto, vital para Ele esta minha inserção inteira no reboliço ensurdecedor da Cidade da Confusão que com tanto suor e sangue levantámos do chão. Ele quer-me igualzinho aos meus irmãos que aqui se arrastam como podem. E quis tomar como exemplo o espectáculo que estou preparando na escola. É um espectáculo complexo ao nível do cenário, dos adereços, dos figurinos, da iluminação, da encenação em geral. E porque são muitas as personagens, quase todas deuses gregos. Tenho, por isso, muita dificuldade em fazer ouvir a minha voz de encenador, ainda mais porque estamos na ponta final de um ano lectivo, sobrecarregado de exames: a prioridade absoluta dos jovens é, em especial nesta fase, divertirem-se o mais que podem, para descomprimir. E, porque se juntam todos, é nos ensaios, sempre chatos, que o fazem. Eu reajo sem nenhuma consideração especial: é urgente fazer as coisas e por isso denuncio-lhes na hora o mau comportamento, ajo com rudeza, agrido perante a avassaladora agressão que aquilo tudo representa para mim.
Ora, conforme o testemunho que aqui tantas vezes tenho dado, já nenhuma obra típica da Cidade me seduz, mesmo a expressão dramática, para que eu sinto uma especial propensão. No entanto, porque ainda daqui Jesus me não retirou, dedico-me àquela tortura com quantas forças me restam, até contribuindo decisivamente para que o tema da peça se centrasse no coração, apresentando-o como o único centro do ser humano. Mas os jovens, embora concordando, parece estarem-se nas tintas para a mensagem e por isso a expressividade tem de ser construída “a martelo”. Não sei que frutos dará este sofrimento. Sei que os dará. E sei que Jesus, agora, me quer aqui.
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