Os Profetas que gravaram na escrita a
Palavra que ouviram, fizeram-no revestidos da sua deficiência, que Deus não
retira a ninguém até à morte. Eles não elaboram, portanto, uma obra literária:
aquilo que escrevem é também genuinamente seu, nomeadamente na deficiência.
10/6/96
– 4:53
– Quanto tempo mais vai durar esta sensação
de abandono por parte do Teu Espírito, Mestre?
– Como? Não é já o Meu Espírito que te move
a mão?
– Eu sei que Ele está aqui, sempre avançando
no meu ser e não recuará até que o assuma todo na Tua Divindade. Mas é a
sensação, Mestre: eu não O sinto, como Tu certamente não O sentias quando
gritaste, da Cruz, que estavas abandonado. E no entanto nós sabemos que nunca,
como naquele momento, o Espírito pairava sobre Ti.
– E não queres viver a Cruz, Comigo?
– Tu sabes que quero, Jesus. Mas aqui na
montanha sinto saudades daqueles primeiros tempos da nossa paixão, daquelas
ingénuas cartas de amor…
– Enfraqueceu em Ti o amor?
– Até parece que sim, Mestre. Diz-me:
enfraqueceu?
– Como gostas de Mim?
– É mais um querer amar-Te muito. Muito mais
do que Te amo agora.
– Que fazes por Mim?
– Escrevo. Falo Contigo. Leio muito agora
sobretudo estes Escritos.
– Porque lês estes Escritos?
– Às vezes penso que é por narcisismo, para
me rever neles, para avaliar a importância da minha obra.
– E que importância tem, a tua obra?
–Como minha, não tem importância nenhuma:
não tem nível literário, está cheia de deficiências linguísticas, a todos os
níveis. Até já lá vi erros ortográficos!
– Então porque continuas a escrever assim?
Eras capaz de evitar os erros e conseguir um bom nível literário, não eras?
– Era.
– Porque não o fazes?
– Porque creio que Te perdia.
– Como assim? Eu só posso estar na
deficiência e no baixo nível?
– Eu não faço de propósito: sai-me assim
deficiente a escrita. Tenho a sensação de que se eu trabalhasse muito o texto,
estaria a fazer um ídolo.
– O que é um ídolo?
– É toda a obra das nossas mãos, de que nos
gloriamos e que admiramos.
– Que têm então estes Escritos, para além da
sua deficiência?
– Muitas vezes parece-me que têm uma linda
história de amor.
– E quem são os amantes?
– O Céu e a Terra.
– Não sou Eu e tu?
– Também. Mas em Ti está todo o Céu e
em mim parece-me às vezes estar a terra
inteira.
– Como está aqui a Terra?
– Doendo, pedindo…
– Só?
– Também pasmando e agradecendo.
– A terra inteira faz isso?
– No meu desejo, faz.
– Só no teu desejo, Meu filhinho?
– Acho que só. Mas é como se este fosse o desejo
profundo de toda a Terra. Ouve-a, Mestre, com o Teu Coração sensível. Não
sentes recolhido bem no fundo, enterrado sob a Cidade mas muito vivo, o desejo
de Ti, alimentado pela desilusão com os homens?
– Dói-Me muito, a Terra…
– Mas ela no fundo gosta de Ti. Sente o meu
coração: eu acho que sou um pouco o fundo da Terra…
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