O Deserto de que fala a Bíblia e para onde
Deus conduz todos os Seus Profetas é, contra aquilo que se possa pensar, de uma
espantosa fecundidade. É aí que se ouve tudo distintamente: Deus, os homens e
nós próprios. É por isso que entre as alturas da descoberta exaltante há as
funduras da solidão impotente, rodeados de gente sôfrega e cansada, sem espaço
no coração para as nossas descobertas e que nos atropela na sua desordenada correria…
19/4/95 – 15:21
Estou cansado, Jesus. Apetece-me chorar! Dura há muito tempo já este deserto,
este silêncio, esta solidão, esta noite, esta série de barrancos e precipícios,
esta série de dúvidas e de sustos, esta dor, este peso, esta tristeza. É certo
que nunca me abandonaste, eu sinto sempre a Tua Mão quando vou abaixo, eu sinto
que Tu me amas como ninguém, que és o Único Amor que me enche todas as medidas,
que fora de Ti nada há que possa dar-nos a todos, a mim e a toda a gente, uma
migalha de felicidade que seja. Mas estou cansado, Jesus. Sinto o meu coração
pesado, tenso. A minha atitude em relação aos outros não revela serenidade,
alegria, boa disposição. Toda minha acção é lenta e pesada e parece que fugiu
de mim toda a leveza e vivacidade. Então, ou me dá para assumir uma atitude de
resistência passiva ou me apetece explodir – e às vezes isso acontece! –
perante o comportamento dos meus semelhantes. Olha, Jesus: se eu for ter com um
psiquiatra, se lhe for contar tim-tim por tim-tim como passo o meu dia e a
minha noite, Tu sabes o que ele me vai dizer, não sabes? No mínimo vai chamar a
isto esquizofrenia, vai mandar-me parar com tudo, comer e beber bem,
divertir-me. Vai aconselhar-me a arranjar uma mulher com quem me entenda… Vai
escarafunchar no meu passado, vai dizer que tudo se deve a uma propensão
hereditária para a introspecção, a uma ambiência religiosa tendencialmente (no
mínimo) doentia envolvendo a minha infância e a minha adolescência, a uma
carência afectiva na infância, a uma castração afectiva no seminário… Enfim, o
psiquiatra vai-me convencer de que com esta idade já não tenho conserto: é que
ele vai dizer-me tudo isto e vai finalmente medicar-me com aquele ar típico dos
psiquiatras, que são os mais frustrados doutores do nosso mundo, do nosso
tempo. Mas não são só psiquiatras a não acreditar na minha cura; todos os que
me rodeiam notam “qualquer coisa”, torcem o nariz, desconfiados. Quando lhes
conto o que se passa comigo, dizem: cá está, é disso! Fitam-me a seguir com um
ar de quem aconselha, sem convicção: vai ao psiquiatra. Se eu mostrar que lhes
adivinhei o conselho e respondo que não, que não vou ao psiquiatra nem sequer
ao psicólogo, então eles fazem aquela expressão de quem pensa: é um caso
perdido! Estou cansado, Jesus! A minha Fé está aqui dentro, luminosa e viva,
mas eu estou cansado, que queres!? Mais do que nunca, acredito em Ti, só em Ti.
Mas estou cansado, meu querido Herói, meu espectacular Mestre, meu incomparável
Artista! É a minha bruteza, são as minhas deficiências, é a tacanhez dos
outros, é sobretudo o Dono deste Mundo, o Patrão da Maldade que me não larga um
momento, que me tem atazanado a vida inteira servindo-se da minha bruteza e da
bruteza dos outros, dos meus aleijões e dos aleijões dos outros, da minha
tacanhez e da tacanhez de todo o mundo, uma tacanhez, que Satanás está
continuamente injectando e mantendo com o manto das Suas Trevas! Ah, Jesus,
quando vens? Parece-me que a Tua descida aos Infernos se está prolongando,
prolongando… Desta vez a Tua Ressurreição não aconteceu ao Terceiro Dia, pois
não, Jesus? Desculpa-me, isto é só gente a falar. Eu sei que Tu entendes este
desabafo: só Tu sabes como eu estou cansado!
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