Nascemos já na Cidade, nascemos no meio da enxurrada demolidora do Pecado e não temos feito outra coisa senão posicionarmo-nos no caudal pestilento para não nos ferirmos nas asperezas da margem e quanto mais no centro do caudal, mais anestesiados rolamos, mais nos vamos deformando, polindo, uniformizando, descaracterizando. São poucos os que, no meio da dor desta horrorosa mutilação, se lembram de sair da gigantesca corrente aproximando-se da margem e agarrando-se a qualquer ramo ou enfiando-se deliberadamente numa qualquer reentrância que os trave, correndo o risco de saírem feridos da ousadia e da aventura. E muitos desses poucos que o fazem em breve se deixam vencer pela solidão e voltam a deixar-se escorregar para a corrente ou, se morrem na margem, a verdade é que nada mais viram do que a margem, porque não conseguiram abandonar radicalmente e de vez o rumo estonteante da corrente. Ficaram estes então na margem alevantados em estátuas imorredoiras, de olhar pétreo pairando sobre o rio peçonhento, a dizer de geração em geração que é impossível resistir ao fascínio da Cidade! São estes os guardiões do Inferno, aqueles que Satanás estabeleceu como anjos da guarda do seu reino de Trevas! Desses poucos, ah!, desses poucos que se agarraram à margem, muito pouquinhos se embrenharam no imenso território circundante, virando decididamente e para sempre as costas ao fragor do tumultuoso fluxo. Estes foram aqueles que tiveram o coração despedaçado de dor ao contemplarem, depois, os seus irmãos rolando assim no rio da Angústia e da Morte. Por isso passaram o resto da vida a chamar, da margem, um por um, a aventurar-se de novo à corrente, mas para ajudarem a muitos a safarem-se do enxurro para a margem, para lá, ao reencontro da sua verdadeira Pátria…
Muito gostava eu de saber o que andou fazendo Jesus durante trinta anos! Ontem lá em casa ao jantar falava-se da inconsciência das pessoas, da dor horrorosa em que está mergulhado este mundo. Sentia as pessoas – as minhas filhas! – desesperarem de impotência ou a preconizarem soluções drásticas, típicas da impotência, típicas da Cidade. Todos se arrepiam, todos se revoltam, todos reclamam soluções, soluções que solucionem, caraças! Que solucionem de vez, porra! Que solucionem, que solucionem, que solucionem. E vejo as pessoas cansarem-se de tanto berrarem por soluções, emudecerem de frustradas por não poderem arranjar soluções, por verificarem que as soluções “drásticas” também não solucionaram!
Muito gostava de saber o que andou fazendo Jesus durante trinta anos! A verdade é que Ele, quando resolveu quebrar este silêncio de trinta anos, começou por propor a alguns amigos seguirem-No prometendo fazer deles pescadores de homens! Pescar significa retirar peixes da água!
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