23/1/96 – 3:47
Registo desta vez a hora a que começo a escrever, porque não sei qual dos outros sinais registe, uma vez que observei vários, desde as 2:03. Mais de uma hora, pois, em que estive sonhando à maneira costumada, isto é, naquele estado estranho em que o sonho é também imaginação e a prova é que me lembro de várias imagens, inclusivamente 3:33. Mas de toda a imaginação ou sonho só retenho que se tratava destes Escritos, creio que de uma citação que seria necessário acabar de comentar. Não havia, por esse facto, ponta de angústia, mas apenas o zelo do escrivão. Eu tenho, de facto, Rom 5, 19 para comentar, mas nem deste texto se tratava. Nada concluo, pois, a não ser que assim me foi de novo concentrada a atenção na natureza e no sentido da escrita que nestas folhas registo e à qual tenho atribuído uma importância singular. A verdade é que por esta via me está de novo o coração cheio de dúvidas. Dúvidas teimosas, estranhas, já que a lógica exigiria que elas tivessem sido já ultrapassadas.
Sofro. Renovo cada dia ao Senhor o pedido de que me deixe participar na Sua Cruz, mas até no sofrimento que me deu Jesus é surpresa. Parece que tudo volta sempre à estaca zero. Mas desta vez é pior: à frieza e à secura junta-se o azedume, a recriminação, a agressividade. Se esta sensação virasse personagem, ela diria mais ou menos isto: Quem vai ler estes milhares de páginas? A quem poderá interessar este enfadonho relato de vozes de algarismos, de “impulsos” interiores, de casos e acontecimentos sem outra dimensão que não seja a do foro íntimo, a do foro familiar, a do foro profissional? Que dimensão sobrenatural podem ter estas conversas arrancadas a ferros, repetitivas, este estendal exibicionista de pretensas novidades que, de tão repetidas, começam a ficar velhas?
– Desculpa, Jesus, o ter registado aqui esta voz. Ela parece uma mão que Te dá bofetadas, uma boca a encher-te de escarros o Rosto. Mas é que ficou combinado entre nós que toda a verdade deveria ser posta a nu, lembras-te? Foram também coisas deste género que Te disseram a Ti, há dois mil anos, nas esquinas de Cafarnaum, não, Mestre? Não é parecida aquela voz com as que ouvias naquela noite no pretório de Pilatos, enquanto Te davam bofetadas e te escarravam no Rosto? Não foram mais ou menos aquelas as palavras com que também nesse tempo achincalharam a Tua Mensagem e a Tua mais funda Personalidade? Ah, Mestre: aquilo dói-me especialmente por vir de dentro de mim. É uma voz songa, cobarde: vem ter comigo aqui sozinho, sabendo que ninguém me poderá defender, que com ninguém posso partilhar a minha dor. Lembras-Te do que voltei a pedir-Te ontem, ao rezar o segundo mistério gozoso do rosário – que me desses ao menos uma prima Isabel para com ela eu poder confidenciar estas coisas? Mas até agora, pelos vistos, Tu lá achaste que não, que ainda é cedo. E acho que sei porque é: é que assim, sem ninguém, eu não tenho outro remédio senão agarrar-me a Ti. És muito ciumento, meu Senhor! O que Te vale é esse Coração sem paredes e esse Olhar sereno. Com tal Olhar e tal Coração já conseguiste que eu passasse a considerar lixo tudo o que não és Tu e o Teu Sonho. Meu querido Carpinteiro, com quem confidenciavas Tu, até aos trinta anos?
São 5:36.
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