6/1/02 - 5:39
- Maria, vê há quanto tempo não choro!
- E porquê? És feliz chorando?
- Chorar revela um coração vivo.
- Não chorar revela um coração morto?
- Não me lembro de ter chorado nunca de pura tristeza: choro de empolgamento, de ternura, de raiva, de impotência; mas nunca choro quando a minha dor atinge a máxima intensidade!
- E quando é?
- Quando sinto o coração completamente frio. Quando me sinto esmagado pela Ausência. Quando nada mexe dentro de mim e me vacila a Fé e a Esperança. E é claro que nesses momentos também o Amor parece ter desaparecido, ou então ter ficado reduzido a um bloco de pedra.
- É essa a tua dor maior?
- É. É aquela que até as lágrimas me rouba.
- Uma grande dor não é um abalo profundo no ser? Não é preciso sentir intensamente?
- Não sei se conseguirei responder-Te, Companheira… A maior dor é não sentir nada, nem a própria dor. É estar vazio e parado por dentro.
- É a isso que tu chamas ausência?
- Julgo que é.
- Vens dizendo que o Inferno é o território da Ausência…
- Sim, é a palavra mais exacta que encontro para o caracterizar.
- Então os demónios não choram!?
- Não. Nunca consegui imaginar lágrimas nos olhos dos demónios.
- Lágrimas de raiva, ao menos…?
- Nem isso: imagino sempre Satanás de olhos secos, no meio dos seus berros de ódio. Satanás vive morto: a violência que há nele é só a da decomposição, da destruição.
- Só chora quem está construindo?
- Há sempre vida no choro verdadeiro e vida é construção.
- Dizes que choras de impotência… Que vida há na impotência?
- Há justamente a revelação dolorosa da natureza construtora da vida. Na impotência vê-se, com aguda clareza, que a vida foi feita para poder.
- Diz-Me uma coisa: lembras-te de Jesus ter dito que nas “trevas exteriores” haverá “choro e ranger de dentes”?
- Lembro muito bem.
- As “trevas exteriores” não são justamente o Inferno?
- Sim, entendo-as como o Inferno profundo, onde não brilha qualquer raio de Luz. São o lugar da definitiva e permanente Ausência.
- Jesus diz que há lá choro… Isso não contradiz o que acabas de escrever?
- A minha Fé considera Verdade tudo aquilo que aqui fica escrito.
- Mesmo que contrarie o Evangelho?
- Nunca haverá aqui nada que contrarie o Evangelho, segundo a minha Fé crê.
- Então aquela contradição…não existe?
- Não: Jesus acrescenta que aquele choro é acompanhado de “ranger de dentes”. Vejo aí precisamente um choro sem lágrimas, de desespero puro.
- Então tu estás perto desse Inferno profundo!?
- Não; foi ele que veio até mim. Estou só vivendo-o, em estado de sítio, como Jesus o viveu.
São 7:27!!
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