Não só em tempos de profunda crise social, mas continuamente, ao longo
da vida, somos rodeados de vozes que de fora nos gritam, nos sussurram, nos
pedem que nos voltemos para os outros, nos chantageiam com os outros, os
outros, os outros. Se não cedermos a este apelo, a esta chantagem, logo nos
apontam o dedo bem esticado e nos chamam invariavelmente egoístas,
egocêntricos. Talvez por isso uma outra voz, esta bem dentro, bem no centro de
nós, tantas vezes a ouvimos gemer, sussurrar, às vezes gritar, desesperada, cá
para fora: E eu? E eu? E eu? Veja-se então o que Jesus me levou a escrever, a
este propósito:
Mas já vi que não há hipótese nenhuma de eu fazer qualquer coisa que não
nasça neste centro íntimo de que venho falando. Rejeito com a mesma veemência
fazer seja o que for que me venha de fora, como qualquer um de nós rejeitaria
mudar-se de uma moradia nova para a velha e arruinada cabana onde antes vivera.
Tudo o que capto com os olhos, com os ouvidos e com todos os outros meios de
captar as coisas do mundo exterior a mim só o recebo e aceito se esse meu
centro íntimo não só espontaneamente o não recusar, mas harmoniosamente o
assimilar como assimila o estômago os alimentos. Mas mesmo essas coisas que
recebo de fora, ao serem assim assimiladas por esse individualíssimo e único
núcleo íntimo, são por ele transubstanciadas, como pelo aparelho digestivo do
nosso corpo são transformados os tão variados alimentos que recebe em sangue.
Assim, por força desse mesmo centro propulsor, que muitas vezes chamo Coração,
as coisas que de fora recebi já não são as mesmas que entraram em mim, mas
passaram a ser substancialmente outras, como o sangue é substancialmente outro
relativamente ao pão que recebi como alimento. Assim, pois, como o pão, que não
era meu, se tornou sangue verdadeiramente meu, assim também tudo aquilo que
recebo de fora, e que fora já seleccionado pelo meu exclusivo gosto, se tornou
tão pessoal e próprio meu, que se tornou capaz de, por sua vez, alimentar um
ser único entre todos no Universo.
Só, pois, esse misterioso Centro em mim me comanda agora. Só ele
determina o que deve receber de fora e só ele decide o que há-de dar ao mundo
fora de si. Ele está-se tornando omnipotente em mim. Ele é o único Mandamento
em mim, a que exclusivamente agora obedeço. Sei que muitos, sensatos e
prudentes, me chamarão a atenção para um tremendo perigo: o de desprezar toda a
gente e de me ouvir só a mim, tornando-me um mostrengo egocêntrico e perverso. Mas
eu não tenho a culpa de ter visto que toda a perversão deste mundo nos veio de
termos abandonado este Centro da Unidade e do Amor. (Dl 28, 21/9/04)
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