O texto que Jesus me trouxe esta noite está adquirindo agora um significado imprevisto. Um significado que sinto fluir naturalmente da minha Alma.
Com efeito, sempre tive uma especial consideração para com os governantes da cidade. Raramente vejo neles a causa mais imediata dos nossos males; pelo contrário, quase sempre os considero como as mais directas vítimas da nossa comum Rebeldia. Chamados a governar o Monstro, devemos-lhes quase sempre, apesar da sua eventual ganância de poder, os momentos de acalmia possíveis dentro da cruel situação geral em que vivemos mergulhados. Melhor ou pior, eles acabam por evitar aos cidadãos o caos absoluto.
Ora no Evangelho há pelo menos dois casos em que ao homem do poder é atribuída uma notável sensibilidade e lucidez para discernir o bem do mal, embora não tenham manifestado depois capacidade para se decidir pelo bem. Um destes casos é o de Pilatos, que reconhece a inocência de Jesus; o outro é precisamente este, o de Herodes, que “protegia” João, porque o sabia “homem justo e santo”. Ambos acabam por decidir pela injustiça, sufocando o impulso do coração.
Porquê? Aqui se situa o campo onde o Mestre me quer colocar a atenção. Quem verdadeiramente matou Jesus? Quem foi o verdadeiro assassino de João? A fonte da Maldade sempre se esconde. Quem decide, torna-se apenas um executor concreto de uma intenção concebida por um poder que o transcende e o domina. No caso de Pilatos, esse poder estava corporizado nos fariseus e doutores da lei, que se esconderam atrás da capa da segurança da nação e da pureza da fé; no caso de Herodes, aquele poder estava escondido sob a fragilidade de Herodíade, que habilmente manipulou as circunstâncias para conseguir o seu fim.
Mas nem nestes ainda está a fonte da Maldade, porque também eles parecem estar sujeitos a um estranho poder que lhes corrompe a natureza, ao ponto de a levar a agir contra si própria, já que a natureza de todo o ser é apenas o Bem. Tal como na história bíblica do pecado Deus perguntou pelas suas causas sucessivamente a Adão, a Eva e à Serpente sem chegar a desculpabilizar ninguém, mas parecendo aceitar as culpas de cada um até que chegou à Serpente que não tinha ninguém a quem atribuir culpas senão a si própria, assim também eu me não devo fixar no primeiro culpado que me apareça, mas devo caminhar sempre até encontrar a fonte primeira da Maldade.
Ela está na Serpente. Por isso ela terá que ser aprisionada. Por isso ela terá a cabeça esmagada pela Mulher. É contra ela e o seu reino que se dirige agora a Batalha comandada pela Rainha do Céu. Deste modo será neutralizada a Pressão Original sobre os corações e poderá assim a terra encaminhar-se, aliviada da carga que a oprimia, para a sua Libertação.
Agora a Simplicidade regressará aos corações e assim eles mais facilmente resistirão ao Fluxo Original da Maldade. Agora os corações vão ser curados. A esta cura se chamará o Triunfo dos Dois Corações unidos de Jesus e de Maria.
Mas porquê agora, apenas? Só o Olhar omnisciente e intemporal do Pai do Céu saberá responder a esta pergunta e é assim mesmo que Ele me arrebata o coração pequenito, empolgado e feliz por ter um Pai que sabe tudo e tudo faz na Hora perfeita! Mas um ardor suave dentro de mim me leva de novo ao meu Companheiro deste Deserto: é a Sua Cruz, pesada de dois mil anos às costas de tantos inocentes que com Ele por amor a transportaram, que levará o Pai a decretar a Hora da Libertação.
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