– Porquê, Mestre?
– Estiveste esquecido dela durante todo este tempo?
– Tenho estado estes últimos tempos ocupado com a Tua capacidade de descer até nós e com a intimidade que assim crias connosco.
– Foi a Minha Igreja que estiveste contemplando.
– Nós estamos habituados a ver a Igreja como uma organização, uma coisa colectiva e abstracta, que só fala através de um “magistério oficial” e nos enquadra em si vazios de individualidade, como peças uniformizadas, através de ritos, normas e doutrinas; Tu és uma Pessoa por Quem nos podemos apaixonar loucamente.
– Assim será a Minha Igreja: uma pessoa por quem vos podereis apaixonar loucamente.
– Mas a Igreja são muitos!
– São muitos, sim, e cada um será diferente do outro e é por isso que quem a encontrar a poderá amar com louca paixão.
– Mas a Igreja não é cada um!…
– É, sim!
– Em cada um está a Igreja inteira?
– Como em Mim está Deus Trino.
– Tal é a Unidade que sonhaste para a Tua Igreja – que tantos e tão diferentes sejam um só?
– É esse o Sonho do Pai que Eu vim realizar e agora volto e sempre voltarei, até que ele se veja definitivamente realizado em surpreendente perfeição.
– Crês nisso que dizes, Mestre? É tão grande assim a Tua Fé no nosso Livre Arbítrio? Desculpa falar-Te deste modo… Dói-me tanto pensar que Te possa magoar…
A sensação foi tão estranha… A expressão do nosso Mestre censurava-me e do Seu Coração vinha uma fúria magoada protestando por eu assim O ter reduzido a alguém como nós que precisa de ter fé e de cujos sonhos desconfiamos. Como se dissesse para Si mesmo, mas de forma que eu O ouvisse: Tanto desço, que agora vejo o resultado.
Está magoado ainda, o Mestre. Cabeça baixa, numa censura muda, como se tivesse sido humilhado perante o mundo todo. Sobretudo por as minhas palavras implicarem uma desconfiança do Seu Sonho. Como se de tudo se pudesse desconfiar, menos dos Sonhos d’Ele. Tento conversar, mas Ele conserva a mesma posição: sinto que está ainda ferido e não quer ou não pode falar.
É tão nosso, este Deus!
Teve a reacção que qualquer um de nós teria quando desconfiam dos nossos mais puros e fundos sentimentos. Vi, pois, que os Sonhos de Jesus são as realidades mais puras do Seu Coração, as de raízes mais fundas.
– Desculpa, Mestre. Não fiques aí assim nessa atitude magoada, que me magoas também. Vá lá! Vem sentar-Te aqui à minha beira… Conversa comigo… Desculpa. Eu nunca supus que ficasses assim quando tocamos nos Teus Sonhos apenas com uma pergunta…
Ele já está sentado junto de mim. É tão querido! Tão querido o nosso Deus!
Não me ralha. Encosta-Se ao meu ombro, só como quem ficou abalado da dor que teve, a ver se lhe passa… Claramente, Ele vê no meu ombro um ombro amigo… Abraça-me como quem diz: A culpa é Minha, que me esqueço do estado em que vos encontrais… Está tudo bem. Desculpa-Me tu.
É assim que eu O sinto agora. Tão um só comigo o meu Deus! Pedindo desculpa também, compreendendo-me… A gente nem sabe o que há-de fazer a um Amigo assim! É tão viva a afeição que sentimos por Ele… O sabermos que Ele é Deus enlouquece-nos de ternura e de pasmo.
– Não queres continuar a falar-me da Tua Igreja? – digo eu, timidamente.
– Foi dela que estivemos a falar.
– Mas Tu não disseste nada!…
– Disse, disse. Não viste um bocadinho melhor o Meu Coração?
– Ah! A Igreja és Tu, continuamente magoado com a nossa cegueira, mas desculpando-nos sempre e pedindo-nos desculpa de nem sempre Te lembrares da miséria em que nos encontramos?
– A Minha Igreja é estar Deus com os homens numa união perfeita.
– Ah, se todos sentirem o que eu senti e estou sentindo esta noite por Ti, também entre nós haverá uma união perfeita?
– Não haverá?
– Se sentirmos todos o que eu sinto por Ti agora, não é possível nenhuma discórdia: seremos todos um só coração.
– E uma só Pessoa, Meu filhinho, que poderá amar e ser amada com louca paixão!
São 6:15.
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