É preciso, desta vez, acreditarmos no Impossível de vivermos sem leis nem dogmas, os frutos amargos de tão longo tempo de governo da Razão. Eu sei que é este um dos mais longínquos Impossíveis a que se dirige a Igreja Refundada. Mas por isso mesmo me está aparecendo como o mais enternecedor Sonho do nosso Mestre. E porque à Rainha do Céu está confiado o comando desta última Batalha, Ela não deixará de Lhe realizar aquele Sonho tão louco, tão ingénuo. É justamente esta ingenuidade do nosso Deus aquilo que mais me esmaga de agradecido pasmo: Ele acredita em nós! Acredita de novo, como uma criança, depois de tantos séculos em que O saturámos de traições, de negações, de desilusões! Nós deixámos de acreditar n’Ele, mas não deixou Ele de acreditar em nós!
Bem-aventurados os pobres − dissera Ele. Ora pobres são aqueles que não têm riquezas para administrarem nem sequer têm o coração ocupado com a ganância ou o objectivo de as vir a ter. Pobres são os de coração disponível para receberem gratuitamente a única Riqueza verdadeira: o Reino dos Céus. A Igreja Refundada será constituída por estes Pobres assim, de coração aberto para o Sonho ingénuo do seu Deus. É deste Sonho apenas que serão alimentados e a ele se entregarão sem reservas, como cordeirinhos inocentes, mesmo que o território das suas pastagens venha a revelar-se infestado de lobos.
− Queria tanto, Mestre, levar os Teus Pequeninos a acreditarem neste Teu Sonho! Não queres agora dizer-me como hei-de fazer?
− Tu até já enunciaste várias vezes e de várias maneiras o grande Princípio do Meu Reino. Escreve-o de novo.
− Esperar pelos frutos.
− E que implica esse Princípio?
− Não condenar ninguém.
− Porquê?
− Porque condenar é adoptar as armas do Inimigo.
− E porque se não devem adoptar as armas do Inimigo?
− Porque, usando-as, estou a adoptar as normas e os meios do seu reino: usar uma arma sequer das que o Inimigo usa, é já ter cedido perante ele, é ter entrado já sob o seu domínio.
− E como lhe desmascararás as manhas?
− Justamente usando armas diferentes das dele.
− Por exemplo.
− A Verdade, sempre.
− Dizendo sempre a Verdade, não estás já condenando?
− Não, se a disser com a simplicidade de uma criança, se a não impuser.
− E que processos conheces de impor a Verdade?
− A arrogância é um deles.
− E como se manifesta a arrogância?
− A arrogância reduz sempre a Verdade a uma qualquer proposição doutrinária.
− E qual é a maldade de uma proposição doutrinária?
− É fechar o Mistério, transformando-o numa quinta, propriedade privada do doutrinador. É, no fundo, destruir o Mistério, cuja característica é ser permanentemente aberto para o Desconhecido.
− E como se poderá manter pura a Verdade, se não for apresentada numa linguagem precisa e clara?
− Não há linguagem precisa e clara. Pretender arranjar palavras exactas para exprimir o Mistério, é justamente destruí-lo.
− Como se entenderão então as pessoas?
− Aproximando-se sempre mais de Ti.
− Que significa aproximar-se de Mim?
− Amar-Te até à louca paixão.
− Como se resolverão então as discórdias que possam surgir na Minha Igreja?
− As discórdias só existem quando há proposições doutrinárias; se sempre o Mistério permanecer aberto, ele próprio resolverá todas as discórdias.
− Como?
− Com a Humildade: o Mistério, jorrando livre sobre os corações, só pode provocar neles a Humildade. Uma Humildade agradecida.
− Mas isso não provocará uma enorme diversidade de opiniões e portanto uma também enorme desorientação?
− Não haverá opiniões na Tua Igreja.
− Não?!
− Não: haverá só visões diferentes do mesmo Mistério, que cada um revelará ao outro com humildade e profundo temor de Deus.
− E se alguma dessas visões for manifestamente contrária ao Meu Ensinamento?
− É preciso, mesmo assim, deixá-la crescer: se chegar a dar fruto antes de desaparecer, será abandonada quando as pessoas começarem a comer os seus frutos.
− Eu abençoo a tua confiança ingénua no teu irmão, Meu amor!
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