Tento agarrar-me aos Sinais, mas tudo me arrasta para fora de mim – para longe de Deus. Qualquer coisa me prende a atenção, como se mexesse ou fizesse barulho para me obrigar a olhar para ela. O desterro em que vivemos é feito de agitação e barulho.
Ah, se o Senhor nos desse o Dom do Silêncio!
Mesmo assim, Jesus acordou-me dando-me a Sua Paz. É que tentar, no meio deste reboliço e deste estrondo, chegar ao interior de nós e das coisas, deve comovê-Lo até às lágrimas. Mais do que ninguém, Ele sabe da tensão que nos oprime ao tentarmos fazer o caminho de retorno ao Silêncio, que é onde fica a nossa verdadeira Casa.
– Jesus, posso chamar Pátria do Silêncio ao Céu?
– Porque não haverias de poder?
– Acho tão bonito dizer assim… E tive medo de que estivesse a fazer só um floreado de palavras.
– Tem que ser rude a Minha expressão, para ser eficaz?
– A procura de expressões verbais esteticamente agradáveis segundo os nossos padrões de beleza pode afastar as pessoas do conteúdo. E eu venho dizendo neste Escrito que o que está dentro é que interessa…
– Se os lindos olhos de alguém te encantarem, esse encanto tirou-te o interesse de conheceres a pessoa para além dos olhos?
– Não: vendo uns olhos lindos, sentimos o desejo de falar com a pessoa dona desses olhos.
– Falar? Para quê?
– Para a ver por dentro.
– Os olhos, coisas visíveis, não te afastaram então do mundo invisível da pessoa!?
– Não.
– Não te estás contradizendo, filhinho?
– Parece que estou. Mas espera aí um momento: Tu disseste “filhinho”!
– E que tem?
– Nunca me trataste assim!
– Gostaste de Me ouvir chamar-te filhinho?
– Muito.
– Não foi então só uma palavra, vazia de conteúdo, o que ouviste!?
– Não! As Tuas palavras vêm-me de dentro…
– Do Silêncio?
– Isso, Mestre! É voltando-me para o Silêncio dentro de mim que Te ouço.
– A palavra “filhinho” é bonita?
– É.
– É agradável de ouvir?
– Muito.
– Ao exprimires o que ouves dentro através de uma palavra bonita e agradável de ouvir, esvaziaste a palavra do seu conteúdo?
– Não: procurei dar-lhe o máximo conteúdo.
– Era “filhinho” o que ouvias dentro de ti e não outra coisa?
– Era. Estranhei e quis evitar escrever “filhinho”, dizendo outra palavra – “amigo” ou ”Profeta”, por exemplo – mas era “filhinho” que exprimia com maior exactidão o que estava sentindo.
– Olha: no Silêncio, as Minhas palavras são feitas de quê?
– De sensações.
– Sensações? Ouves com os sentidos?
– Sensações interiores…como hei-de dizer isto? Sensações do género de alegria, felicidade, amor… Não são físicas, mas mexem com o físico.
– Quer dizer: vindas de dentro, as “sensações” atingem a superfície!?
– Atingem. Atingem sempre a superfície; nós é que disfarçamos quanto podemos, às vezes…
– E, ao contrário, as sensações captadas através dos cinco sentidos não avançam para o interior?
– Deveriam avançar: se temos os cinco sentidos, eles têm forçosamente que estar ao serviço do nosso ser total – da nossa realidade interior obviamente também.
– E não estão?
– Aqui é que está o enigma difícil de desvendar: porque é que, ao vermos uma flor, não nos quedamos a contemplar o interior da planta, donde ela veio? Se veio do interior, é porque já lá estava; porque não vamos à procura da fonte da beleza na planta e nos ficamos na flor, cortamo-la até, e assim a fazemos murchar, destruindo-lhe a beleza? Ah, se tivéssemos olhos para ver para dentro!…
– E tendes.
– Então temo-los fechados! Só pode ser!
–– E não está na hora de os abrirdes?
– Já vi, Mestre! Aquilo que nos abre os olhos para dentro é o Teu Dom do Silêncio!
– E sabes onde está a fonte do veneno que vos cegou os olhos?
– No pecado. Na maldade que existe dentro do homem. Todos os seres são inocentes, excepto o homem. É a desilusão com o homem ao avançarmos-lhe para dentro que nos envenena os olhos. É assim que rapidamente se começam a fechar os olhos das nossas crianças.
– E é por isso que não vedes o que está dentro da planta ao olhardes a flor?
– É. É só por isso. A maldade que em nós se esconde é a única responsável por que não vejamos o espantoso movimento dos átomos, nos rochedos.
São 6:19.
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