– Por onde vamos hoje, Mestre? Estou tentando tornar sensível a Tua Presença… Fala, meu Amigo. Tu sabes que mais ninguém me fala assim do que eu quero ouvir.
– Onde vamos?
– Num Deserto.
– E que procuramos?
– O Teu Reino.
– E que temos feito?
– Tenho-Te revelado eu a minha alma e Tu a mim a Tua.
– Estás gostando?
– Muito. Nunca supus que a gente se pudesse alimentar assim de histórias que uns aos outros nos contamos, de paisagens que uns aos outros nos desvendamos.
– Que te falta então, Meu amigo?
– Queria sair do Deserto… Mas agora até tenho um certo receio de o deixar.
– Porquê?
– Porque não sei se, quando daqui sairmos, poderemos continuar assim a contar histórias e a revelar paisagens.
– E porque não haveríamos de poder continuar assim?
– Não sei… Quando nos encontrarmos com os outros todos Teus amigos, na agitação da Festa, tenho medo de que se nos vá este Silêncio em que um ao outro ouvimos o coração.
– Imaginas muito ruidosa a Festa que há-de vir?
– A avaliar pelas nossas festas…
– Imaginas o Céu sem festa?
– Não: no Céu há-de ser uma Festa permanente. Deserto é que não haverá, com certeza.
– E porque não haverá Deserto?
– Porque Deserto é solidão, é sofrimento.
– Uma solidão e um sofrimento de que estás gostando!?…
– Sim, porque no estrondo da nossa Cidade não conseguimos ouvir-Te assim.
– Assim tão mal – estás-te sempre tu a queixar.
– Pois… Acho que é possível ouvir-Te muito mais nitidamente.
– E isso seria mau?
– Como?
– Acabas de dizer que vais sentir pena deste Deserto, onde – dizes tu – Me ouves tão mal…
– Queres dizer, Mestre, que ouvir-Te melhor é sair do Deserto?
– Em que consiste o teu Deserto?
– Em não ter ninguém que me acompanhe nesta ânsia de Te encontrar e de viver em Ti.
– Tens-Me a Mim, não?
– Pois tenho. Mas porque me não levaste ainda aos Teus outros amigos?
– Por ciúme de ti.
– Como??
– Tenho medo de que te distraias com eles e não Me ouças a Mim.
– Não queres que eu ouça os Teus amigos?
– Não antes de Me ouvires a Mim.
– Porquê, Mestre? Os Teus amigos certamente me falariam muito de Ti.
– Mas Eu não quero que sejam eles a falar-te de Mim.
– Porquê, meu Amor?
– Porque tu és para Mim único e Eu quero ser único para ti.
– Não és sempre o mesmo quando Te revelas aos Teus amigos?
– Sou. Mas sou único para cada um deles.
– Tens ciúmes de mim, como tens de cada um deles?
– Sim. E desejo que cada um de vós tenha igualmente ciúmes de Mim.
– Mas isso não nos isola uns dos outros?
– Não: junta-nos todos com laços indestrutíveis.
– Ah! É a unicidade de cada um que nos une?
– Sim. Se eu não fosse único para cada um de vós e cada um de vós não fosse único para Mim, a unidade num instante seria desfeita.
– Ah! Quando me encontrar com os Teus outros amigos, Tu serás em mim único para cada um deles e serás em cada um deles único para mim?
– Sim. E no entanto o mesmo.
– Por isso me tens mantido este tempo todo no Deserto?
– Sim: preciso de te conhecer.
– Como??
– Preciso de te conhecer no Silêncio.
– Não me conheces Tu, desde sempre?
– Desde sempre sei que és único para Mim e é por isso que ardo na ânsia de te conhecer. E é por isso que tenho ciúmes de ti! E é por isso que sofro muito quando Me foges. Por isso te seduzi, para que viesses Comigo para o Deserto.
– E para que também eu Te pudesse descobrir como único?
– Sim. Sabes agora porque sentes pena de deixar o Deserto?
– Ah! Por isso não é possível chegar a Ti sem passar pelo Deserto!?
– Sim. É necessário orar.
– Como??
– Tu ouviste. Orar não é outra coisa senão estarmos juntos, só os dois, possuídos deste ciúme ardente e santo.
– E quando oramos em conjunto?
– Quando estais reunidos em Meu Nome, Eu continuo sendo único para cada um de vós e por isso uno.
– Ah! Quando oramos juntos, continuamos sendo surpresa uns para os outros?
– Sim. E se o não fordes, é porque a vossa oração ficou vazia e morreu.
– Então as orações ritualizadas…
– Cuidado com elas! Não vos junteis para vos desunir.
São 3:43!
Sem comentários:
Enviar um comentário