A Cidade é complicada e magoa sempre. Amontoámos colossais quantidades de matéria que arrancámos ao seu habitat natural e esterilizámos. Também a arte, mesmo que queira evadir-se deste campo de morte, desloca e esteriliza a vida no meio de grande desgaste de energias e contribui assim para ampliar a desertificação da nossa terra.
Também eu, com o meu saber e a minha arte, estou colaborando nesta destruição. Mas não vejo outro caminho enquanto aqui vivo: também Jesus aqui viveu desta forma, em tudo igual a nós. Também ele foi operário, nome e condição que por excelência O ligou à mutilação da Natureza para levantar a Cidade. Só nos últimos três anos da Sua vida abandonou a sedentarização de Caim para decididamente adoptar os caminhos nómadas de Abel. Anunciou em três anos a Mensagem que foi amadurecendo em trinta no útero da Cidade. Mas mesmo aí, anunciando a demolição da Cidade, nunca a abandonou e quantas comodidades a Cidade Lhe oferecia, Ele as utilizou. Importante foi, para Ele, limpar os corações, para que vissem com os Olhos de Deus toda a dimensão da Iniquidade. Então a atitude interior passaria a ser a oposta e o desmoronamento da Cidade viria por acréscimo. A Igreja primitiva foi perseguida por causa desta nova atitude interior: ela é demolidora.
– Quero-me deitar, Jesus.
– Não te apetece estar Comigo hoje?
– Que pergunta, Mestre! Tu sabes bem o que se passa: o que eu queria era largar tudo isto para poder estar Contigo, registando-Te as histórias e os sonhos. Mas estou cansado.
– Não é o teatro a tua paixão?
– Não. Já não é. Já não tenho nenhuma paixão que me prenda aqui.
– Mas isso aumenta o sacrifício, não?
– Muito.
– Se te retirassem essa actividade, não ficarias aborrecido?
– Nada.
– Que te agradaria então, neste momento?
– Ir por todo o mundo anunciar de viva voz tudo quanto me tens ensinado.
– Não queres vir já para o Céu, para junto de Mim?
– Não. Quero ficar aqui, junto de Ti.
São 6:23.
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