— 10:43:06
Tenho de me concentrar muito para recordar o que escrevi na vigília, há apenas algumas horas. Poderia, é claro, pegar na folha escrita e relê-la. Mas creio que nunca o fiz. E estou vislumbrando neste meu comportamento uma paisagem nova no Mistério do convívio entre Deus e homem.
Há sempre em mim uma sensação clara de que o Ensinamento de Deus difere radicalmente daquele que nós ministramos aos outros: nós tentamos enfiar nos outros aquilo que sabemos e temos a tendência para acabar o “assunto”. Deste modo, pretendemos que os outros fiquem com a mesma riqueza que nós temos, na dose que achamos conveniente e transmitimos, quanto possível, conteúdos completos, fechados. Isto é, só ficamos satisfeitos quando tiramos conclusões e levamos os outros a tirá-las. E por esta via o nosso ensinamento molda os outros à nossa semelhança, esterilizando-lhes as suas fontes originais. E sentimo-nos muitas vezes inferiorizados quando eles colhem junto de outras pessoas ensinamentos mais vastos de que aqueles que nós lhes transmitimos. É como se eles nos aparecessem com uma propriedade muito mais rica do que a nossa e com ela nos esmagassem. O nosso conhecimento é riqueza acumulada que ministramos com maior ou menor perícia, como fazemos com o dinheiro ou com outra qualquer riqueza material. É por isso também que este conhecimento “ensinado” se gasta: depois de várias vezes transmitido, ninguém mais no-lo quer, porque perdeu todo o valor, ultrapassado por outros conhecimentos mais actualizados, como acontece a qualquer mercadoria numa feira. Este tipo de conhecimento “ensinado” de tal maneira se tornou assim obra humana, património típico e exclusivo da nossa Cidade, que quando aparece uma qualquer originalidade, a primeira reacção que nos ocorre é rejeitá-la como uma ameaça, ou pelo menos como uma incomodativa perturbação. Rodeamos o fenómeno e, das duas, uma: ou conseguimos assimilá-lo, depois de transformado em novo conhecimento ensinável, ou perseguimo-lo até o fazermos desaparecer do nosso horizonte.
Por isso não tenho dúvidas nenhumas de que a Igreja, uma vez refundada e aparecida na sua frescura original, será inicialmente um verdadeiro fenómeno, isto é, uma inesperada Aparição, para logo depois começar a incomodar, a seguir a alarmar fortemente toda a estrutura de poder deste mundo, desencadeando por fim uma violenta perseguição.
Porque desta vez o mundo não conseguirá assimilar o Fenómeno, isto é, transformá-lo em doutrina que possa fazer património seu, transmissível como conhecimento esterilizado, como riqueza materializada. E não conseguirá o mundo desta vez assimilar e dominar a Igreja justamente por causa da natureza do Ensinamento que recebe e do Conhecimento que transporta. É verdade que já assim era na primitiva Igreja. Mas não estava ainda o mundo ensopado no Sangue do Cordeiro, agora correndo, vivo, nos corpos de uma multidão ressuscitada. Agora o Conhecimento surgirá em fontes inesperadas, aqui, ali, de repente além e depois mais longe, onde ninguém suporia que rebentasse nada de original. Cada Alma que Jesus abrir tornar-se-á uma fonte livre, desentulhada de todo o ensinamento com que o mundo a havia obstruído. E todas estas fontes engrossarão um enorme Rio que, este sim, absorverá e purificará todo o Ensinamento original fossilizado, fazendo-o voltar à Vida.
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