Diz Jesus que precisamos de ser crianças para entrarmos no Reino dos Céus.
Isso, no entanto, não se faz mingando até à idade infantil, mas nascendo de
novo, depois de termos aceitado morrer. Tudo, claro, obra d’Ele.
24/8/96
– 16:35
A vontade que tenho é apenas de rezar.
– Guia-me, Mestre, de modo a que eu
permaneça sempre dentro do Teu Mistério. Eu sei que, se assim for, nada nem
ninguém me poderá fazer mal. Mas é grande ainda a minha insegurança. Pareço-me
ainda e só como aquela criancinha pequenina que está a dar os primeiros passos:
se por um lado me sinto feliz por ser já capaz de me manter de pé e de dar um
passo vacilante em frente, preciso que estejas por perto, preciso de ver o Teu
Rosto tranquilo e sorridente chamando-me. Gostas de me ver assim, de bracitos
estendidos para Ti, percorrendo pequenos troços do caminho com passos
tremelicantes, até cair no Teu colo? É assim que me sinto agora: com medo ainda
de cair e caminhando só quando Te vejo à minha frente de braços abertos
chamando-me. É esta neste momento a natureza da afeição que sinto por Ti: a
afeição de menino inseguro que em mais ninguém confia, mas que quando está
Contigo sente a Tua protecção maior que o seu medo e é feliz. Não queres
dizer-me nada, Mestre?
– Diz o que há pouco meditavas sobre as
palavras que aqui escreves.
– Que eu nunca ouvi palavras dentro de mim;
eu ouço sempre só realidades. Depois
apenas traduzo essas realidades interiores em palavras, que tanto podem ser
estas como outras, mas que, sejam elas quais forem, exprimirão com maior ou
menos clareza sempre a mesma realidade. Tu és, não as palavras que eu escrevo,
mas a Realidade que as palavras tentaram revelar.
– Eu não sou também as palavras que aqui
escreves com caneta e tinta?
– És, na medida em que assumes toda a
deficiência da nossa linguagem e até o nosso mais hediondo pecado: Tu
incarnaste na nossa carne degradada e amaste-a assim deficiente e pecadora, por
inexplicável amor. Mas em Ti próprio, Verbo eterno de Deus, não há qualquer
deficiência ou qualquer mancha de pecado: essa é a Realidade que mora dentro de
mim e que aceitou revelar-Se através da extrema pobreza da minha linguagem,
fazendo-a Sua. É neste sentido e nesta medida que estes textos não contêm
erros: o meu passo é vacilante, mas avança em direcção a Ti; posso até cair,
mas és Tu que me vens levantar; posso, na minha insegurança, andar mesmo um
pequeno troço do caminho gatinhando. Mas é sempre em direcção a Ti que caminho
e não é possível cair em qualquer armadilha ou desviar-me para qualquer recanto
perigoso, porque Tu tens sempre os Olhos fixos em mim!
– Não podes pecar?
– Posso. A toda a hora.
– E os teus pecados não mancham estas
páginas?
– Não; são como as quedas do menino: atrasam
e dificultam a caminhada, mas não me afastam do caminho e o caminho conduz a
Ti, inexoravelmente.
– És infalível?
– Só Tu és infalível; eu falho a todo o
momento, como cai o menino a cada passo. Mas se eu me mantiver pequenino, cada
falha minha acordará no Teu Coração uma nova onda de ternura que mais e mais me
prenderá a Ti. Se eu me mantiver criança, até as falhas destas páginas
conduzirão a Ti.
– E se não te mantiveres criança?
– Não sei. Horroriza-me admitir que possa
afastar-me deste estado de menino. Se isso acontecesse, estas páginas dariam
só…uma fogueira!
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