Temos sempre muitas saudades do Paraíso,
mesmo que o não admitamos publicamente. Desejamos muito um novo Paraíso,
depressa. Mas sempre nos disseram que isso era uma utopia. E explicaram-nos que
utopia é essa coisa muito linda de que temos muita fome e sede, mas que sempre
segue lá longe à nossa frente. Isto é: por mais que andemos, nunca a veremos
realizada. Se Jesus pensasse assim, teria entregado a vida daquela maneira para
quê?
28/10/95
– 9:03:13
A Utopia pode realizar-se: é só substituir,
na Igreja, a Lei pela Profecia!
Não é possível! – é o grito unânime de todas
as bocas e eu já com um pé levantado também, prestes a passar para o lado da
multidão, deixando o Mestre sozinho no meio. Então Ele faz sinal para que todos
nos sentemos, como fez naquele tempo aos cinco mil homens sem contar mulheres e
crianças, uns esfomeados, outros apenas curiosos. E ouço-O falar assim:
– Eu disse-vos uma vez que sou o Pão Vivo
que desceu do Céu. Todos vós ouvistes, tendes estas Minhas palavras escritas
por todo o lado, ouvi-las pronunciar todos os dias, mas muito poucos de vós as
têm levado a sério: pensais que é só maneira de falar, que é só figura de
estilo. Também os Meus próprios discípulos as não entenderam, na altura em que
as pronunciei. Mas quando Me viram morto, esvaído em sangue naquela Cruz,
retalhou-se-lhes o coração de pena, de dor da Minha Dor e de dor da Minha
ausência. Ainda não tinham entendido, mas sentiram um terrível vazio, como uma
insuportável fome: eles precisavam desesperadamente daquele Corpo andando,
fazendo gestos, expressões, tomando atitudes, falando. Então deixavam cair as
cabeças nos ombros uns dos outros e choravam, choravam muito. Mas não tinham ainda
entendido aquela estranha ausência que não era uma simples pena ou saudade,
porque os devorava, como se aquele Corpo que fora a enterrar fosse toda a sua
vida e nada mais sobre a terra houvesse que os pudesse saciar. “Vou pescar” –
dizia o Meu Pedro, mas era só para ver se disfarçava esta fome que o devorava
todo. Passada aquela noite, e a outra, apareci-lhes ressuscitado com aquele
mesmo corpo, que eles viam aparecer e desaparecer, passar através de paredes, e
um enorme alvoroço se apoderou deles, mas não tinham entendido ainda. Apareci a
dois dos Meus discípulos disfarçado de corpo carnal e eles confessaram sentir o
coração ardendo enquanto lhes falava, como alguém sôfrego que está sendo
saciado de saboroso alimento, mas só ao partir do pão Me reconheceram, sem
contudo terem entendido. Durante quarenta dias era este Meu Corpo assim vivo
que lhes saciava o horroroso vazio anterior. E era aquele um alimento tão
estranho, tão novo, que ninguém o entenderia, ninguém o poderia receber, só
aqueles que também tinham sentido o vácuo anterior, aquela necessidade absoluta
do Corpo desaparecido. Por isso a nova Surpresa que lhes estava inundando a
todos o coração: esta mesma fome deste Corpo Vivo unia-os a todos num só. E
este único sentir, como se fosse um só coração num corpo só, ainda mais se
intensificava pelo facto de eles se sentirem únicos sobre a terra: ninguém mais
entenderia “aquilo” a não ser que tivesse conhecido o Mestre que morrera e
tivesse como eles sentido aquela tão funda, tão inexplicável fome. Ao fim
destes quarenta dias subi ao Céu à vista deles, mas antes tinha-lhes dito que
voltava em breve, duma forma outra vez diferente, duma terceira forma, outra
vez nova, numa forma de Presença mais viva ainda, tão viva, tão concreta, que
eles não mais teriam saudades das Presenças anteriores, a ponto de essa nova
Realidade iluminar as Presenças anteriores de tal forma que entenderiam, só
agora, o seu pleno significado. Subi ao Céu e eles ficaram olhando, uma mancha
de saudade no coração, sem terem entendido ainda. Mas esta mesma saudade, que
não se comparava já à antiga fome, continuava unindo-os fortemente. Pouco tempo
assim viveram, suspensos da Minha Promessa, a grande, a Minha maior Promessa.
Ao cabo de dez dias voltei. Com uma violência tal, que eles agora não entendiam
por ser demasiado intensa a Luz! Só sabiam uma coisa: Eu, tal como Me tinham
conhecido, em Corpo agindo e falando, estava agora dentro deles. Agia dentro
deles! Falava dentro deles! Nem
queriam acreditar! Eu estava vivo, mais vivo que nunca! Em corpo! E este era o
maior assombro: Eu continuava falando e agindo! Eu continuava ensinando, quer
explicando o que antes dissera, quer revelando mesmo coisas novas, que antes
não chegara a dizer. E havia um dado novo nesta Minha Presença: Eu estava com
cada um como se fosse único. E isso era nova Surpresa e mais um factor de
União: eles corriam uns para os outros a contar as maravilhas que em cada um
deles Eu operava. E – Surpresa das Surpresas: Eu era o mesmo, na imensa
diversidade que alastrava. Ninguém se lembrou de fazer leis para organizar a
imensa Força que de Mim se desprendia: a Minha Força nascia organizada.
São 11:31:58. E sei, por estes algarismos,
que o Mestre terminou o Seu discurso perante nós-multidão, que nos fomos
sentando e estamos agora em absoluto silêncio. Somos uma multidão imensa e
parece que não queremos descolar o rabo do chão. Por isso eu acredito que a
Utopia Se vai realizar.
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