Eu creio em que as palavras destes Diálogos
serão lidas por multidões, quando chegar a Hora. Não terei então outro remédio
senão tornar-me famoso. Mas, na verdade, a fama serve para quê? É fácil e
terrível a tentação da vaidade.
12/10/95 – 4:23
Ando tenso:
deve-se isto a algum pecado, a qualquer falta de correspondência ao Amor exigente
de Deus? Deve-se isto ao facto da minha rotina diária me não proporcionar
situações fortemente emotivas que me puxem pelo coração? Passo longas horas
escrevendo e meditando e rezando, mas parece-me que tudo se passa numa estufa,
onde não sou espicaçado pelos violentos contrastes de uma vida fortemente
inserida no reboliço da Cidade: não acontece nada... Então suspiro por uma vida
pública cheia de emoções, como aqueles três anos últimos da vida do Mestre. Há
lá em cima também um 4 e eu pergunto: Senhor, quando me envias? Espero por
vezes um qualquer milagre que me projecte de repente para uma vida pública
cheia de acontecimentos que me abalem até ao íntimo do ser - eu
gosto de fortes abalos, quer sejam exaltantes ou humilhantes, eu penso que
aguento tudo! Isto é, eu ambiciono dar nas vistas e andar nas bocas do mundo e
não me contento com a minha aldeia, com a minha cidade de olhos e atenções
cravadas em mim: eu quero o mundo inteiro suspenso do meu show feito de
palavras e atitudes sempre naturalmente polémicas abalando as pessoas até aos
fundamentos da alma, provocando a admiração e o desprezo, o amor e o ódio, numa
permanente tensão que a todos desinstale e nada deixe ficar como está.
Eu, o centro do
mundo! Tudo dou, tudo suporto, contanto que eu seja o protagonista do Fim dos
Tempos! Ah, a vaidade! Ah, esta insaciável ambição desta coisa ridícula que
aqui escreve ajoelhado em Nome de Deus! Parece-me, de facto, ser esta
ultimamente a grande tentação do incansável Monstro, neste meu Deserto. Já
ontem aquela sensação de ser feito de Luz, de Sabedoria e de Força como um
herói mítico impressionando as multidões! E hoje, agora mesmo, a visão deste
espectáculo de palavras a atitudes bem no centro, bem no umbigo da terra
revolvendo o mundo, com direito a um pedestal na história, o mais alto de
todos, se possível perpetuando a memória do grande rei Salomão!
Tudo roubado, claro! Uma Luz destas, uma
Sabedoria destas, um Poder destes donde poderia vir senão do próprio Deus?
Vistas bem as coisas, é tão incompreensível, tão estúpida a vaidade e a ambição
dos homens! Repare-se: de que me serviria isso tudo, se daqui a vinte, trinta
anos, morro? Que misteriosa sofreguidão é esta que mora dentro de nós e que
pretende saciar-se ainda para além da morte? Que misterioso fenómeno interior é
este que nos faz desejar ter o mundo aos pés? Que misteriosos olhos são estes
que temos dentro, que ampliam a nossa insignificância até ao infinito?
Deus não é assim. Ele não precisa de nós
para coisíssima nenhuma. Ele pode fazer regressar o Universo inteiro ao Nada e
continuar a ser completamente feliz. Deus não precisa de nada fora de Si: Ele
basta-Se a Si mesmo. Por isso nunca entenderemos o tamanho do Amor de Deus.
Toda a Sua canseira e a Sua dor para recolocar o homem girando à volta de Si,
não é por Sua própria causa, mas unicamente por causa do homem: Ele quer a Sua
criatura feliz. Só isso. E foi somente por causa da nossa felicidade que Ele
fez tudo o que fez. Só Ele conhece até ao âmago a causa da nossa felicidade e
só Ele conhece o lugar onde teremos que regressar para sermos completamente
felizes. Por isso quando alguém pretendesse fazer-se centro, faz a figura mais
ridícula que se possa imaginar: é tudo roubado - o seu brilho e a atenção
dos homens - e tudo
está destinado a desmoronar-se rapidamente porque lhe falta a força centrípeta
e centrífuga do Amor.
Estou usando ultimamente uns termos muito
científicos, muito presunçosos... Não sei o que hei-de fazer para me libertar
da vaidade e da ambição, senão denunciando-a e chapando com ela aqui nesta
folha. Porque pedir ao Único que me pode tirar deste ridículo eu já pedi
milhares de vezes. Ah, se eu apanhasse o diabo a jeito...
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