Quem não acompanhou até agora as espantosas coisas que me têm acontecido neste longo tempo de Deserto, ficará certamente escandalizado com a afirmação que acabo de fazer. Ele só lerá a primeira parte: “Eu sou Deus Trino”. E não poderá, de modo nenhum, digerir tão sacrílega barbaridade. Parará aí e proclamar-me-á herege. Nos tempos da Inquisição eu iria parar irremediavelmente à fogueira. E não sei se o fogo que também hoje me queimará não será mais cruel do que o das antigas piras que rapidamente asfixiavam o condenado: agora o fogo poderá ir e vir em ondas, tornando a tortura mais lenta, mais cínica, mais cruel.
Mas quando o Inimigo assim se começar a encarniçar, já este e outros muitos escândalos tamanhos estarão escritos e não vai ser já possível travá-los: a Avalanche do Espírito fará desabar, sobre um escândalo, logo um outro escândalo maior, sem que o Dragão consiga já manter o controle sobre o seu tenebroso reino. Enormes coisas estão já, de facto, escritas, não só de mim, mas de toda a Alma humana, todas resumindo-se numa só: ela, de criatura que era, pode renascer filha de Deus! Possuirá, portanto, todos os Atributos de Deus. Será Trina, como Deus. Será, em verdade, Deus!
Mas a segunda parte daquela afirmação escandalosa que atrás ficou gravada, tanto pode atenuar como agravar o escândalo: por um lado parece delimitar-me à efémera missão de um mensageiro; por outro, parece identificar-me com o próprio Deus Incarnado, Jesus, o Enviado do Pai, há dois mil anos. Considerações destas, porém, só são possíveis porque a nossa Rebelião tudo pretende sujeitar ao ridículo espartilho da nossa lógica, naturalmente, como tudo o que fizemos, mascarada de clareza, de ciência, de majestosa respeitabilidade.
É tudo muito simples e natural, agora, o que estou vendo. Também eu era um intelectual, sempre aflito em arranjar justificações para tudo quanto me acontecia a mim e ao mundo. Era uma trabalheira e uma seca. Nem sei como aguentei tanto tempo sem ver a estupidez em que vivia emaranhado. Agora apenas vejo acontecerem grandes coisas em mim, como uma árvore vê acontecerem nela as sucessivas estações como um contínuo fluxo de surpresas. Surpresas consistentes, é claro, porque são feitas de vida juntando-se ao seu corpo vivo, que assim cresce, numa espantosa espiral de surpresas.
Estou agora entendendo a Virgem de Nazaré quando Ela, com uma inocência de criança, proclama que o Omnipotente n’Ela fez grandes coisas. Por isso não tenho já receio de avançar com um novo escândalo que arde como um fogo vivo dentro de mim todas as vezes que tenho oportunidade de me recolher neste Silêncio interior em que ouço e vivo o Céu: o Anjo Gabriel acaba de anunciar à Rainha do Céu e Comandante dos Exércitos Celestes agora no Regresso de Jesus mais esta Dádiva do omnipotente Senhor dos Exércitos: o “livrinho” que eu sou. Com ele, Ela alimentará os Seus Exércitos. Agora Ela está ainda comendo-o com a volúpia de quem come a própria felicidade, mas em breve as Suas entranhas ficarão cheias de amargura: é a hora da Batalha!
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