Julgo que nunca me senti assim. E também isto já o escrevei várias vezes. De todas, porém, me levantei, revigorado, cheio de novos motivos para continuar por este estranho caminho. Mas agora o cerco da Ausência está atingindo proporções dificilmente suportáveis. Até Maria parece reduzida a uma imóvel, silenciosa duna do Deserto. A Sua Voz parece toda forjada pelo meu talento natural para o teatro. Ora acreditar, em tais circunstâncias, na Assistência do Espírito na gravação destes textos torna-se um verdadeiro acto de Fé no Impossível.
A escuridão em que caminho é absoluta e gelada. Deste modo, até a sensibilidade para tactear os objectos no negrume me parece ter sido drasticamente diminuída. Que pretende o meu Senhor com tamanha prova?
- Podes dizer-mo Tu, Maria?
- E tu aceitas a Minha ajuda, mesmo tendo a sensação de que estás só a escrever um diálogo de uma peça de teatro?
- Não tenho outra alternativa: se só tenho este talento para tactear a escuridão, não é com ele que tenho que avançar?
- Não admites a hipótese de parar simplesmente, esperando um novo impulso, mais vivo, do Espírito?
- Estás perguntando se não deveria eu escrever só quando me sentisse “inspirado”?
- Sim e também se não admites que Jesus te queira libertar, pelo menos durante uns tempos, da escrita.
- Não, nunca senti de modo nenhum que Jesus alguma vez me tenha pedido que suspenda a escrita; pelo contrário, sempre subsiste em mim a sensação, mesmo reduzida a pura teimosia, de que devo registar todos os passos do meu caminho, exactamente como os estou vivendo, mesmo que isso me pareça absurdo, mesmo que escandalize o mundo inteiro, mesmo que corra o risco de me desacreditar completamente.
- E essa sensação considera-la um autêntico pedido de Jesus?
- Sim. É das mais fundas certezas que me invadem.
- E vislumbras ao menos a razão desse pedido?
- Sim, julgo que só a vislumbro e não certamente em toda a sua extensão.
- Tenta apresentá-la, mesmo que de forma imprecisa.
- Sinto que Jesus quer registada em pormenor a progressiva morte da minha carne…
- Mas parece que o que está a ser morto são as tuas mais fundas aspirações, os teus mais legítimos desejos, a tua própria Esperança. Até mesmo a tua Fé!
- É verdade! Sinto esta morte lenta mas imparável da minha carne como um ataque brutal a tudo aquilo que me pode prender ao Céu. Parece uma luta desesperada da Morte contra a Vida.
- É então por isso que Jesus não quer que desistas de escrever?
- Sim. Sinto mesmo que são estes momentos-limite que com mais empenho Jesus quer ver registados: eles marcam os mais decisivos passos da Incarnação de Deus na absoluta Desolação a que reduzimos a terra.
- Sim, Meu pequenino, indefeso Profeta: o mundo precisa de reconhecer os passos silenciosos do Seu Libertador!
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