Misteriosa não quer dizer enigmática; quer dizer sedutora. E uma das grandes razões do seu fascínio é o facto de se encontrar dentro de nós. É mesmo o que há de mais íntimo, mais pessoal, mais característico da nossa irrepetível individualidade. Repare-se: a que outra pessoa falou, neste momento, a Voz que disse “Apocalipse dez, nove”? Não deve haver ninguém, no mundo inteiro, que tenha ouvido o que eu ouvi. Mas mesmo admitindo que essa pessoa exista, quem poderá afirmar que aquelas palavras despoletaram nela os mesmos sentimentos que em mim?
Ouvir a nossa própria Alma é o acto mais individualizante e personalizante que podemos executar. Mas é obviamente necessário ter muito cuidado: podem vir de dentro de nós vozes falsas, isto é, vozes que verdadeiramente não vêm da nossa Alma. Não passamos nós o dia e às vezes até a noite a ouvir vozes que provêm de fora de nós? Ora nós sabemos que estas vozes se nos podem colar ao núcleo do ser e sair depois de nós como sendo nossas, enganando-nos a nós próprios e aos outros. Quando isto acontece, estamos sendo verdadeiramente manipulados por mãos alheias. Podemos assim ser conduzidos a uma completa despersonalização.
É este o mais mortífero de todos os venenos: uma vez instalado à volta da nossa intimidade, asfixia-a e alastra depois a todo o nosso ser, contagiando-o com as suas várias e díspares identidades, até que o desagrega e mata. Não somos depois mais do que cadáveres ambulantes, isto é, máscaras de vida representando a peça que outros nos destinaram.
Cada vez mais veio o mundo enchendo de vozes a nossa intimidade, até que hoje, para qualquer lado para onde nos voltemos, lá está o universal berreiro a meter-se-nos pelos ouvidos dentro. Não é, por isso, nada fácil reencontrarmos a nossa intimidade. Tem, por isso, toda a legitimidade e toda a desculpa aquele que me vier perguntar: Quem te disse que as palavras “Apocalipse dez, nove” vieram mesmo da tua mais funda intimidade? Não podiam elas ter sido qualquer voz exterior que por dentro de ti andasse, esvoaçante?
Eu sei que não é uma voz esvoaçante, mas não sei certamente responder a este meu irmão com argumentos aceitáveis para ele. Pois se eu próprio tantas dúvidas ponho… tantas vezes falo da leveza e fragilidade desta minha Voz interior, tantas vezes desconfio da fiabilidade do meu ouvido… Mas por entre as objecções próprias de quem vive neste mundo sujeito a tantas vozes, há uma coisa de que eu nunca verdadeiramente desconfiei: de que Deus me criou e me ama loucamente, que deu a vida por mim. E é este sempre o único argumento que eu tenho para me manter a mim na permanente descoberta da Verdade e para apresentar às pessoas: se eu despertar para este Amor de Deus e sempre com todas as minhas forças lhe tentar corresponder, eu caminharei sempre, fatalmente, pelo caminho da Verdade, através de toda a possível falsidade que me rodeie. Foi assim que se me fez este enorme Silêncio interior. Foi aqui que pude avaliar a falsidade das vozes em que longo tempo vivi emaranhado. E foi aqui que me descobri Filho de Deus!
Por isso agora me recolho sempre a este Silêncio. E sei que tudo o que nele ouço vem cheio do Amor e da infalibilidade do meu Amigo Deus. Mesmo que O ouça ainda com a minha carne envenenada pelas vozes que me estavam desagregando e secando todo o ser. Vou, pois, confiante, ao local onde me vai falar o meu Amor Infalível. Em
Ap 10, 9 |
está escrito assim:
“Fui ter com o anjo, pedindo-lhe que me desse o livrinho. Disse-me ele: Toma, come-o; encher-te-á as entranhas de amargura, mas na tua boca será doce como o mel”.
São 5:36!?
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