– 8:33
Mas o Demónio, conforme se viu, vem sempre revestido do bom senso. Só que de Deus também não está ausente o bom senso e por isso me deixou hoje dormir sete horas seguidinhas! É verdade que não foi um sono muito descansado: lembro-me de várias vezes ter irrompido no meu sono a vontade de ver as horas, mas não chegava a acordar-me. Sei agora que foi este o trabalho do Demónio durante a noite: tentar acordar-me. Por fim, não o conseguindo, veio-me com aquela de que tudo o que ouço é puro produto da imaginação. Mas Jesus não o deixa levar a melhor comigo: acordou-me às 6:26, a avisar-me de que o figurão ali estava prantado e que portanto eu deveria dar testemunho de que ele existe, desmascarando-lhe as manhas.
Ora, quanto à imaginação, temos dito: claro que tudo quanto vejo e ouço é fruto da imaginação. Mas a imaginação é fruto do Amor de Deus.
Quando a minha imaginação ficar completamente curada das rugas e verrugas e lanhos e ranhos com que as mãos sádicas e porcas de Satanás a andaram amarfanhando e torturando, ah, aí a minha imaginação verá e ouvirá com total nitidez. O que o Diabo quer é que a imaginação não veja nem ouça: é que, mais uma vez, ele não quer ser visto nem ouvido tal qual é. Também a imaginação ele torce e mascara, conseguindo pô-la, por vezes, inteiramente ao seu serviço. Claro que é com a imaginação que eu vejo e ouço!
A imaginação é um luminoso Dom do Criador!
Ah, quando o Senhor ma restaurar por completo! Também aqui, ter a imaginação restaurada é ter renascido e ser de novo criança. É na criança que se vê o Dom da imaginação ainda próximo da sua pureza original. Próximo, porque já nascemos emporcalhados; mas não apresentamos ainda as lesões que através da vida o pecado faz na nossa imaginação. Por isso a criança vê mais com a imaginação do que com os olhos que fixam os brinquedos. O Demónio sabe perfeitamente que deixar pura a imaginação seria a sua desgraça! Por isso desenvolveu uma impressionante actividade tendente a ferir de morte a imaginação. Quase o conseguiu, ao menos na civilização ocidental, arvorando em suprema lei o “bom senso” alimentado pela razão. Como a imaginação arromba todas fronteiras do “bom senso”, daí até à sua condenação foi só um passo: a imaginação é hoje, na nossa sociedade, vista como uma qualidade inferior, tendencialmente perigosa, própria de marginais e inúteis. Se o Demónio a não matou, fechou-a na rua!
Mas é a ela, a esta minha imaginação assim fechada na rua que eu vou pedir que ouça a Voz de Deus… “Efésios… Gálatas”… Ela tem manifesta dificuldade em sintonizar a Transcendência que mora no meu coração. Que raiva lhe deve ter o Demónio! Coitadinha da minha imaginação. Inesperadamente, sinto por ela uma ternura parecida com a da criança que de repente vê a boneca caída num chiqueiro. Se a criança soubesse quem fez isso chamava-lhe, de olhar turvo: Mau! Mau! Mau!
– Vá. Jesus! Mostra ao Diabo que quem manda és Tu. Desimpede o canal que Te liga à minha imaginação. Tu és capaz de fazer isso com uma pequeníssima vibração do Teu Desejo. Deixa-me ouvir-Te com clareza, Mestre! Eu tenho muito respeitinho pelo Teu método de trabalho e pelo Teu “timing”, como se diz agora, Tu sabes. Mas mostra ao Demónio e ao mundo que quando for preciso até podes pôr o próprio Diabo a consertar o canal de comunicação que ele mesmo andou tentando destruir. Vem, pois, Jesus, e fala-me. Diz-me onde devo procurar o tema da aula de hoje, no Teu Livro… Está difícil… E nem é da cabeça cansada, porque dormi bem esta noite e porque nada me dói por dentro do crânio. Romanos, onze? E o capítulo onze existe?… Ezequiel, nove?… Afinal…?… Não ouço porque não jejuo?… É Tua esta voz? “Há certo tipo de demónios que só com a oração e o jejum…” – lembro agora. É do Teu Evangelho, eu conheço. Queres que jejue?
– Quero.
– Eras Tu, Jesus! Foste Tu que falaste.
– Como concluíste isso?
– Por dois motivos: porque veio muito rápido e enérgico aquele “Quero!” e porque o Diabo não quer de forma nenhuma que se jejue.
– Então pronto. Queres jejuar?
– Quero, Jesus. Quando és Tu a mandar, eu fico muito satisfeito, muito feliz. E é com muita alegria que executo as Tuas Ordens.
– Não são Ordens….
– Eu sei, eu sei: são Pedidos. Mas quem pode resistir a um Pedido Teu? Só não sei ainda qual é a amplidão do jejum que Tu queres. Para já, vou eliminar radicalmente o álcool…
– E basta, para já.
– És querido, Jesus! Sei que foste Tu que falaste!
– Fui. Não Me ouvias já há dias chamando-te a atenção para a necessidade de jejuar?
– Ouvia sim, Mestre. Mas hesitava: não sabia quando nem como.
– Pois bem: é agora, como te pedi.
– Vou executar, Mestre, com muita alegria, como Tu estás vendo.
– Queres agora que te guie ao Meu Livro?
– Jesus! Viste o que passou pelo meu espírito?
– Vi.
– E que pensas disso?
– Que és ainda homem de pouca Fé.
– Tenho que dizer o que pensei, para tudo ficar às claras, como Tu queres, não é?
– É.
– Pois eu estava pensando assim: e se me sai um capítulo ou versículo que não existem? Neste caso isso não podia acontecer, porque Tu próprio me perguntaste se eu queria que me conduzisses ao Teu Livro.
– Pedi-te uma vez que acreditasse “às cegas”, lembras-te?
– Lembro. Então vá, Jesus. Fala.
– Equelipo…
– Desculpa, Jesus. Foi assim que eu ouvi. De repente, mas saiu-me aquilo e depois tudo se calou dentro de mim.
– Tenta outra vez ouvir-Me.
– Sim. Fala.
– Paralipó…
– Ouvi assim, mas parece-me fixação minha nos Paralipómenos. Creio que, por isso, fui eu que travei a Tua Voz! Eu até já sei que há dois livros dos Paralipómenos.
– É no primeiro que quero que leias.
– Em que capítulo, Mestre?
– No doze.
– E versículos?
– Especialmente cinco-seis.
– Tudo bem, Mestre. É a primeira vez que a citação me vem assim. Como registo?
– Como já sabes.
– Pronto:
I Par 12, 5-6
“Sapatia, de Haruf; Elcana Jesia, Azareel, Joeser e Jesbão, filhos de Coré”.
Muito bem, Jesus. É assim que lá está. Parecem hieroglifos egípcios. Só percebo “filhos de”. Coré também é nome que já conhecia. Desculpa-me, Tu sabes como eu Te quero bem, mas sempre quero ver como vais descalçar esta bota, isto é, como me vais mostrar a mim e ao mundo que foste Tu que falaste e que me não estás a gozar.
– Com muito gosto, Salomão.
– Então vá.
– Só não queria que Me ofendesses com o tom da tua voz.
– Não é seres hipersensível?
– É. Eu sou hipersensível.
– Mas isso não é um mal? Cá para nós é pieguice, é não ter estofo para aguentar nada.
– Mal é não ter sensibilidade. E aguentar, Eu aguento tudo, como vós sabeis.
– Mas não deixas passar nada… Isso não é falta de compreensão, de paciência?
– Não; é Amor. Quero perfeitos aqueles que escolho.
– Também é, então, Amor aquele texto, aquela charada?
– Continuas falando-Me num tom de desafio.
– Estou a refilar Contigo?
– Estás. Não notas?
– Noto.
– Não quero que refiles Comigo.
– Mas isso é bloquear-me a espontaneidade.
– Não é; é libertar-te a espontaneidade.
– Quem vai entender isso?
– Tu. É a tua alma que Me interessa.
– Então explica-me.
– Ouve o teu coração.
– Só serei inteiramente espontâneo quando não houver nenhum atrito entre o meu e o Teu Coração.
– Explicaste bem. Mas explicaste para os outros. De ti quero que vivas o que explicaste.
– Pronto, Jesus. O pior é viver. Como faço para viver?
– Não Me fugindo. Continuando a escrever, para já.
– Eu estou cansado.
– Queres descansar uns momentos?
– Acho que não; o que eu quero mesmo é que me expliques aquele texto.
– Explica tu o que já viste.
– Aquela série de nomes estranhos, sem contexto, é citação que nunca ninguém faria, a não ser para gozar o próximo. Ao fazê-la Tu, quiseste pôr à prova a radicalidade da minha Fé e do meu amor por Ti.
– De que maneira?
– Continuando a acreditar que nunca me enganas e que o Teu Amor persiste forte e sem mancha para além de toda a aparência de sombra ou defeito.
– Não foi o Demónio que te guiou àquele texto?
– Não. E mesmo que tivesse sido, fê-lo como um rafeiro, executando sem o mínimo desvio a Tua Vontade.
– Porquê?
– Porque eu acreditei que foste Tu que me guiaste e gozar com a Fé das pessoas é coisa que Tu nunca farias, não podes fazer, nunca, porque és Deus!
– Bem-aventurado és tu, Salomão, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o Meu Pai que está nos Céus!
– Aumenta a minha Fé, Jesus. Tenho medo de que a soberba não deixe crescer a minha Fé ou mesmo a possa matar.
– Vou dar-te a humildade, sim, Meu pequenino.
Neste momento vejo entrar no café o Z. D., o meu neto de 25 meses. Atrás dele vinha a mãe e as tias. São agora 12:42. E foi assim que, durante uma hora de descontraído convívio com as minhas filhas e o meu neto, o Senhor me fez descansar. Também o descanso deve ser sentido como Dom de Deus!
Li já todo o capítulo doze do primeiro livro dos Paralipómenos. E uma grande alegria me inundou o coração. Este capítulo faz a relação dos homens que se juntaram a David no início do seu reinado, quando ainda em guerra com Saúl. Repare-se como eles estão caracterizados: “Eram arqueiros, exercitados em lançar pedras, tanto com a mão esquerda, como com a mão direita, e disparavam flechas com o arco (…). Tinham o aspecto de leões e a agilidade das gazelas das montanhas (…). O menor deles todos, podia vencer cem, e o mais forte, mil (…). Todos eles eram homens valentes”. E como em remate, está assim escrito no v. 22: “Todos os dias chegavam homens a David, para o auxiliar, e assim veio a ter um grande exército, como um exército de Deus”! E o último versículo, o… a minha Bíblia tem 48, mas deve ser lapso, deve ser 40, não importa, o último versículo proclama a adesão de todo o povo a este exército, pois “traziam-lhes víveres, sobre jumentos, camelos, mulas e bois, farinha, massas, figos, tortas de uvas, vinho, óleo, vacas e ovelhas em abundância, porque havia alegria em Israel”.
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