Se
o atleta ganhou a maratona, fez isso por méritos seus e vai ter uma estátua e
glória imortal na Cidade; o que ficou em último na prova, pode ter feito mais
esforço que o primeiro, mas não tem mérito e mais ninguém se lembra dele.
Parece que há aqui uma qualquer injustiça, não?
16/1/96 – 1:59
Sou todo obra do Senhor: nenhum mérito me
caberá se e quando ficar perfeito. É esta uma verdade difícil de aceitar,
porque todo o sistema que à face da terra implantámos se funda no mérito. Aos
que muito merecem, muito lhes damos: condecoramo-los e fazemos deles heróis,
com estátuas no centro das nossas praças. E não há cegueira, estupidez maior.
Na verdade é facílimo reconhecer que tudo o que somos, o recebemos; e tudo o
que fazemos, o fazemos com talentos e meios que nos foram dados. Nada criamos:
para fazermos as nossas obras, desfazemos o que estava feito e é este o nosso
único mérito – destruir. Poder-se-ia dizer que também o pássaro destrói para
fazer o ninho e também o leão destrói para se alimentar. Mas não: num caso e noutro
é vida que se utiliza directamente e só ao serviço da vida. Só o homem
verdadeiramente mata; a deficiência e a morte são a única coisa de que se pode
gloriar. Todo o hercúleo esforço que faz para erguer a Cidade é, pois, retinto
mérito seu, nisso o homem tem razão: a Cidade outra coisa não é, senão a grande
pedra que cobre o sepulcro em que o homem absurdamente se enterra.
Por isso toda a Dor do nosso Deus Lhe vem de
nos ver assim voluntariamente enterrados, apodrecendo. Por isso desceu a este
túmulo, para lhe fazer ir pelos ares a tampa e dele ressuscitar. A partir daí,
toda a dor dos que O viram ressuscitado e por isso Lhe seguem os passos
consiste em ter aceitado renascer, o que implica aceitar a morte prévia. É este
o Baptismo novo que Jesus nos veio trazer. Recebe-se ouvindo-O e seguindo-Lhe
os passos, isto é, renunciando ao nosso mérito, que é a Cidade, esta grotesca
construção de morte. Foi isto que a Cidade não perdoou, não podia perdoar a
Jesus e não perdoará aos Seus discípulos, porque tal caminho conduz à pura
abolição da Cidade. Veja-se o que o tolerante império romano fez aos cristãos.
Se a Cidade hoje não teme os cristãos, é porque eles não aceitaram o Baptismo
de Jesus: receberam, quando muito, o baptismo de João, símbolo certamente, sinal
significativo, por certo, do Mistério da Redenção, mas em si mesmo ineficaz.
Tudo no Tempo Novo, conforme me dizem os algarismos iniciais, deverá ser
iluminado pela Luz de Cristo, Ele próprio, Palavra viva e activa, sem ritos ou
cerimónias que O esvaziem e mumifiquem, tornando-se assim também pedras mortas
da Cidade de Satanás, o próprio distribuidor de méritos.
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