Quase sempre no início das vigílias me custa penetrar no Mistério de Deus. É como se estivesse perante uma fortaleza à espera que me abram a porta. E, enquanto espero, divago por assuntos que muitas vezes nada me interessam, porque o que me interessa mesmo é entrar.
– Que sentido tem, pois, esta espera à porta
do Mistério, se todo o Desejo de Deus é revelar-Se, é, portanto, abrir-nos a
porta?
– Vem Tu hoje falar comigo, Mãe, que Te vejo
nos meus Sinais precisamente junto do Mistério de Deus, onde ontem, também ao
acordar, estava o Nono Dia.
– Diz-Me então o que estás pensando agora.
– Que estou tentando compor este diálogo,
como componho os diálogos das peças de teatro que ando fazendo com os alunos,
uma vez que não ouvi nenhuma resposta Tua.
– Acabaste por ouvir uma, não?
– Sim, à minha maneira. Senti só que me
pedias para me revelar com toda a verdade daquele momento: o que se passava
dentro de mim era mesmo aquilo – o receio de que o diálogo fosse apenas forjado
por mim.
– Não seria a primeira vez, pois não?
– Que tenho receio?
– Que o diálogo te parece forjado por ti.
– Não, não seria a primeira vez.
– E mesmo assim, debaixo desse receio,
escreves!?
– É verdade, Mãe. Muitas vezes completamente
frio e seco de emoções, escrevo sempre.
– E tens escrito, mesmo assim, a Revelação
de Deus?
– Quantas vezes essas páginas gravadas em
completa frieza, me fazem depois chorar, ao relê-las!
– Como foi, então? Divagar, escrever
diálogos sem nada ouvir, não é permanecer à porta, fora ainda da “fortaleza” do
Mistério de Deus?
– Agora não sei como Te responda, Mãe.
– Conta. Conta o que te aconteceu agora.
– Poisou um mosquito na minha mão, daqueles
que ferram e chupam sangue. Estava muito magrinho e parecia nem ter forças para
ferrar. Soprei nele com força e ele desapareceu. Depois tive pena dele: parecia
estar ali a pedir que o ajudasse, porque chegou o frio e ia morrer.
– Era-te fácil matá-lo, não?
– Era.
– Porque não o fizeste, se ele é capaz de te
vir incomodar outra vez?
– Eu nunca mato bicho nenhum.
– Mas comes dos bichos que os outros matam –
peixes, frangos, porcos, vacas…
– Que hei-de fazer, Mãe? Eu estou inserido
numa engrenagem que me arrasta e me leva a fazer tanta coisa que não quero… Até
a comida tem que ser a que a engrenagem me dá… Aqui não é possível já encontrar
comida – nem sequer bebida, água que seja! – que não esteja também já inserida
e inteiramente sujeita aos processos da engrenagem…
– Olha: não está aí o Mistério de Deus, na
engrenagem, de que dizes não poder sair?
– Tem que estar.
– Porquê?
– Porque O tenho encontrado sem sair daqui.
– Não tens que te isolar da engrenagem para
encontrares Deus?
– Nem sei… Os meus tempos de encontro mais
íntimo com Deus são, mesmo assim, praticamente aqueles que a engrenagem me
concede. A engrenagem concede-me, por exemplo, que eu de noite não durma, para
estar com Deus, contanto que isso a não incomode, lhe não emperre o andamento.
Onde queres chegar, Mãe?
– Não tinhas um problema? Eu sempre quero
chegar contigo ao problema que Me pões.
– Ah, o de eu estar à porta do Mistério
tanto tempo por vezes, sem entrar!…
– Repara: quantas páginas escreveste já,
revelando o Mistério da Incarnação do Meu Filho, justamente quando assim sofres
por te sentires longe de Deus?
– Até me aprece agora que foi nesse estado
que as escrevi todas, estas páginas.
– Esta agora também, que estás escrevendo?
– Sim, acho que sim.
– Que está ela revelando?
– A Mãe de Deus tão amiga de nós, tão nossa
Mãe!…
São 5:28!
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