De facto, é por causa d’Ele que eu tenho estas dores: se eu tivesse ido
ao médico logo que o cão me mordeu, conforme toda a gente me aconselhou,
certamente ele me teria receitado um antibiótico e o abcesso não chegaria a
formar-se. Mas eu evito quanto posso ir ao médico: sinto uma verdadeira repulsa
por remédios; acho que eles são todos, no fundo, um veneno, que só
aparentemente cura. Por baixo da aparência do bem, eles inoculam no nosso corpo
as sementes do mal.
Sei que toda a nossa carne é corruptível, porque foi esta a consequência
do Pecado. Mas os nossos remédios contêm uma perversão: como obra das nossas
mãos que são, eles trazem em si a marca da rebelião contra a Natureza e o seu
Criador. Eles são o meio que inventámos para curar as nossas feridas, como se
com isso quiséssemos dizer a Deus que não precisamos d’Ele para nada.
Conseguimos assim manter de pé, durante mais tempo, a nossa carne. Há já
quem sonhe conservá-la de pé indefinidamente, numa grotesca tentativa de refazermos,
agora com as nossas próprias mãos, a imortalidade perdida. Teríamos deste modo
nós próprios levantado uma alternativa ao Dom da Imortalidade que, com os
anjos, nos distinguia de todos os outros seres. Poderíamos assim rivalizar com
Deus. Quem sabe se não O poderíamos até suplantar! Muito provavelmente Satanás
terá tido razão quando, em forma de Serpente, falou a Eva no Paraíso: Deus, ao
proibir de comer aquele fruto, o que tinha era medo de que o homem se tornasse
maior do que Ele! É claro que teria atingido o homem nessa altura o grau máximo
da cegueira: já nem veria que todo o material utilizado para levantar a sua
obra o teve que roubar ao Criador.
Por isso eu tenho alergia a remédios da farmácia. Confio no poder de se
curar a si própria que a nossa carne apesar de tudo conserva. Jesus já me
ensinou que devemos até ter por ela um carinho especial, por causa das dores
que ela vem suportando desde nascença, devido à servidão a que o nosso espírito
depravado a sujeitou.
Mas eu trago já a minha carne toda envenenada, porque até o alimento que
recebe foi já mudado da sua natureza pelas mãos implacáveis do homem - pelas
minhas também. Não tenho já, portanto, no corpo, robustas e puras, as suas
naturais energias construtoras e conservadoras da vida. Tudo em mim está mudado
do que era, em tudo o homem meteu as suas garras, alterando, mutilando,
esterilizando. É aqui que eu vivo. E foi aqui que Jesus incarnou, assumindo
toda esta carne desfigurada, envenenada.
- Por isso aqui estou, Mestre, sem saber se hei-de ir
ao médico curar a minha ferida com os venenos que ele me receitar.
- Que gostarias de fazer segundo o teu mais fundo
desejo?
- Gostaria de não ir ao médico, até que Tu me curasses.
- Aguentando entretanto todas as dores -
passando noites sem dormir, por exemplo?
- Sim, se eu soubesse do Teu desejo de seres Tu próprio
a curar-me, eu esperaria o tempo que Tu achasses bem.
- Acreditas em que Eu poderia curar-te
instantaneamente?
- É claro que acredito, Mestre.
- Que sentido teria então Eu manter-te as dores?
- Provocar, por exemplo, a escrita desta Tua Mensagem
que acabo de gravar sobre o Mistério da Iniquidade. Todo o sofrimento suportado
por Teu amor Tu o transformas numa explosiva força libertadora.
- Liberta como, por exemplo, neste caso?
- Iluminando a nossa escravidão, para que a possamos
ver na sua inteira crueldade e assim nos nasça o desejo de que dela nos
libertes.
- Só Eu vos poderei libertar dessa escravidão, tão
abrangente que até já de veneno vos alimentais e com veneno vos curais?
- Só Tu, meu Deus Pantocrator! Ao incarnares nesta
inexplicável podridão da nossa carne e cegueira dos nossos olhos, todo o Teu
Poder de Deus desceu aqui, encharcando as nossas células envenenadas. Se Te
recebermos Tu, que és a Luz, vais iluminar-nos o exacto sítio onde devemos pôr
o pé, no Dia que o Pai escolher para a nossa libertação.
- Posso a ti, por exemplo, iluminar-te desta vez o
caminho do hospital?
- Podes. Tu podes servir-Te dos meios da nossa soberba
para nos libertares, ainda e sempre porque não vieste condenar, mas apenas
iluminar os corações.
São 5:16!?
Sem comentários:
Enviar um comentário