- Que sensação estranha, Maria: não me apetece avançar
por nenhuma paisagem do Mistério!
- E por algum motivo especial - medo, por exemplo?
- Talvez…ou por pensar que nada mais haverá a ver, além
do que está visto…
- Já sei: no primeiro caso tens medo de abordar o tema
da sexualidade na relação com as outras criaturas. E no segundo?
- O Carnaval, que hoje se celebra. Parece ter cabimento
numa Profecia observar o que verdadeiramente se passa no dia a que chamamos
“Adeus, Carne!”, que é o que a palavra carnaval significa.
- Lembro-Me de já teres escrita uma visão sobre o
Carnaval…
- Sim, sobre o facto de termos que usar um disfarce
para darmos um pouco mais de liberdade à nossa Liberdade…
- Liberdade, ao que parece…carnal!?
- Sim, é significativo que consideremos este dia o dia
da despedida da Carne, deixando-a gozar mais largamente o seu prazer.
- Mas isso é porque se vai iniciar a Quaresma, não?
- Sim, o tempo da chamada mortificação da Carne.
- Com vista à preparação para a Pascoa, unindo-nos
assim ao sacrifício do nosso Redentor, que consistiu justamente na entrega da
Sua Carne à morte. Faz sentido, não?
- Faz, se não for um rito vazio. Mas acabas de falar em
Jesus como Redentor,
Aquele que “compra de volta”, que paga um resgate. E porquê? Não foi
justamente porque a nossa Carne fora sequestrada, mantida prisioneira e continuamente
maltratada?
- Então dizer “adeus, Carne” não faz sentido. Não
deveria ser antes: “Aguarda um pouco, Carne! Vamos a caminho para te libertar e
te trazer de volta”?
- Estás insinuando que, quando dizemos “adeus, Carne”,
os quarenta dias da Quaresma são por nós vistos como um frete, uma privação de
que não vemos o sentido!?
- Não sentes que são? Não te parece que o Carnaval e a Quaresma
aquilo que mais claramente revelam é a perda da consciência da nossa situação
de prisioneiros, roubados à nascença aos nossos pais e continuamente oprimidos?
- Sim, e revelam também que os processos
institucionais, ritualizando tudo, não só não nos restituem essa consciência,
mas mais eficazmente ainda impedem que ela acorde.
- Mas nós falávamos da Carne e da sua missão.
- Sim, e Carnaval e Quaresma parece não revelarem nada
dessa missão; pelo contrário, parece acentuarem que a mortificação permanente
da Carne é uma fatalidade, com uma válvula de escape no Carnaval e uma
canonização institucional na Quaresma.
- E o que deveria acontecer seria…?
- Uma despedida, sim, mas para uma viagem, ainda que dolorosa,
até ao antro do Dragão, para daí trazermos, ressuscitada, a nossa Carne,
juntamente com Jesus, o nosso Príncipe da Paz, que no-la resgatou.
- Podendo então unir-se a toda a Criação!…
- Num inebriante prazer!…
São 9:36!?
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