Por mais intensa que seja, na terra, a ligação de um homem à sua obra, nada neste Mistério se lhe compara: aqui a obra é feita filho do seu Autor e como tal amada e dotada da capacidade de amar. Foi assim que ainda agora o Espírito me levou a empregar a mesma palavra para indicar, com o mesmo realce, Deus e a Sua criatura: Irmão – Irmã.
– Minha Irmã de Nazaré, primeira e inigualável Maravilha da nossa Redenção, vem Tu guiar-me por este assombroso Mistério.
– Vamos, Meu irmãozinho querido. Diz. Fala dessa tua insegurança aí dentro.
– Não me ajeito a chamar-Te Irmã, depois de Te ter chamado Mãe durante tanto tempo…e Rainha…
– E porquê? Sentes que Me rebaixas ao tratares-Me por Irmã?
– Talvez…Não sei. Tu sabes bem que a um irmão se dá, aqui na terra, menor importância que a uma mãe.
– Amam-se menos os irmãos que a mãe?
– A relação não é tão profunda; não é tão física nem tão afectiva: nós sempre saímos e inicialmente nos alimentámos do corpo da nossa mãe.
– Mas ninguém nasce do pai, nem do seu corpo é alimentado, e no entanto o amor dos filhos ao pai chega a ser maior, nalguns casos, do que à mãe, não?
– Sim, é verdade.
– Não é, pois, a relação física inicial que determina a relação afectiva posterior. Se nada mais o filho recebesse da mãe do que a gestação e o primeiro alimento, isso não determinaria, por si só, uma relação afectiva, pois não?
– Acho que não: há casos em que toda a relação afectiva, se a houve, desapareceu.
– Onde está, então, o princípio do amor, numa mãe?
– Está mais dentro, na dedicação com que se entrega ao filho.
– Só a mãe se pode entregar assim a outra pessoa?
– Não: essa mesma dedicação, vinda de dentro, existe quase sempre também no pai.
– Não existe essa dedicação em mais ninguém, para além dos pais?
– A dedicação dos pais tem algo de especial…
– O que é?
– Talvez o terem acompanhado todos os passos do filho crescendo, talvez o sentirem-se protectores de uma tão grande fragilidade, talvez o fazerem tudo o que o filho não pode e não sabe fazer, o serem uma espécie de membro do filho, até que ele progressivamente o vai dispensando.
– Esmorece também progressivamente a afeição?
– Quase sempre: a dos filhos, que a dispensam em favor de novas afeições; a dos pais que se sentem dela dispensados…
– E entre os irmãos? Também é progressivo o afastamento afectivo?
– Quase sempre: cada um vai construindo as suas próprias relações com outras pessoas, dispensando na mesma proporção a afeição dos irmãos.
– Na família humana então, à medida que os anos passam, os laços de amor vão enfraquecendo…!?
– Parece que é isso: a família começa a diluir-se na teia da Cidade…
– Porquê a Cidade? É ela que isto faz às famílias – ao inseri-las em si, vai-lhes diluindo e resfriando o amor?
– Parece que assim é, minha Irmã.
– Houve algum constrangimento em ti, ao dizeres agora “Irmã”?
– Não! Foi muito naturalmente que o disse. Parecia-me estarmos tendo uma autêntica conversa de irmãos – Tu uma Irmã mais velha, mais experiente, muito sábia, muito lúcida, ajudando-me a ver os caminhos do amor nas famílias, na Cidade…
– Tenho mais que cinquenta e sete anos, Eu?
– Não! És muito jovem!
– Como sou então uma tua “Irmã mais velha”?
– Não sei como é… eu também sou muito jovem, quase criança…
– Que experiência, que sabedoria, que lucidez podem ter assim pessoas jovens?
– A fonte da Tua experiência não parece vir da Cidade, onde as pessoas experientes são, de facto, muito mais velhas. E também a facilidade com que eu Te entendo parece não vir da Cidade, onde surpresas destas não existem e os conhecimentos se adquirem penosamente.
– Olha: gostas de Mim, como Irmã?
– Ai gosto tanto!…
– Achas então possível os irmãos amarem-se muito?
– Acho.
– Sem se lhes desgastar o amor?
– Acho. Nem o amor, nem a juventude!
São 3:43.
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